quarta-feira, novembro 30, 2005
No seguimento de uma das reuniões da Comissão Executiva do Departamento de História, surgiu um convite/desafio, no sentido dos alunos da licenciatura promoverem um evento académico durante o próximo semestre.
Após conversar com alguns dos colegas, sugiro que o tema geral seja "A micro-história", sendo que dentro deste conceito abrangente, poderemos apresentar trabalhos feitos durante a licenciatura. Os mesmos devem versar sobre biografias, estudos monograficos ou estudos de instituições. Desde já se aceitam candidaturas e outras sugestões.
Afim de eliminar questões técnicas pensamos convidar alguns docentes com estudos trabalhos relevantes dentro das temáticas propostas para presidirem oficialmente às sessões.
Desde já também solicitamos ideias para as muito desejadas publicações dos trabalhos apresentados.
Seria óptimo se participassem alunos de outras faculdades. O repto está lançado...
segunda-feira, outubro 03, 2005
História Militar
"CPHM - XI Colóquio de História Militar"
- Senhor Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar- Senhor Embaixador de França- Senhor representante do Embaixador de Espanha- Senhor Presidente da Comissão Francesa de História Militar- Senhor Vogal do Bureau Directivo da Comissão Internacional de História Militar- Senhor Reitor da Universidade de Lisboa- Senhores Almirante e Generais representantes dos Chefes de Estado Maior dos Ramos das Forças Armadas- (eventual referência a outras personalidades presentes)- Ilustres oradores convidados- Minhas Senhoras e meus Senhores
Como nos afirma Lidell Hart: "A história mostra que é a perda de esperança e não a perda de vidas que decide o resultado de uma guerra." No actual momento em que nos encontramos, de profundo abalo Político-Militar pós 11 de Setembro, é de extrema importância a reflexão que aqui se faz sobre "Portugal e os abalos Político-Militares da Revolução Francesa no Mundo".
A História é uma ferramenta indispensável para, analisados os acontecimentos passados, nos ajudar a encarar o presente e prospectivar o futuro.
A História Militar, como todos sabemos, distingue-se da história Geral pelo seu objecto de estudo que é a Guerra (actividade específica) e tem como sujeitos passivos - todos a quem afecta - e que no fundo, pensamos, é toda a humanidade.
O estudo sobre a história da guerra permite ajudar a decisão, robustecer a vontade colectiva e a formação de mentalidades, no fundo, uma maior consciência da Nação. Ernest Renan, em 1882, na Sorbonne afirmou: "O que constitui uma Nação não é o facto de se falar a mesma língua ou pertencer ao mesmo grupo étnico, mas sim, ter levado a cabo em comum grandes feitos no passado e o desejo de os realizar também no futuro".
Todos os grandes líderes mundiais que a história imortalizou foram atentos estudiosos da história militar. Napoleão Bonaparte afirmava - "a táctica, a ciência do artilheiro, podem aprender-se nos regulamentos. Mas os jogos mais elevados da guerra, só se aprendem com a experiência e o estudo da história - Lede as 88 campanhas dos grandes capitães da História, meditai e modificai-vos sobre elas". O grande General Francês Foch dizia por seu lado - "A coragem do chefe baseia-se no que sabe, a história ajuda a distinguir o essencial. Pensar pela história eis o que é." Perguntado sobre se ajudava num problema concreto respondeu: "Evidentemente que não: mas dá-me confiança!". De facto, a história nada justifica nem resolve, mas sem o seu conhecimento encaramos o futuro com pouca confiança.
Para Portugal, a Guerra Peninsular foi dos períodos mais marcantes porque nos mais de 8 séculos desta antiga nação europeia, foi nesta época que se assistiu, por pouco tempo felizmente, ao arrear da bandeira nacional em Lisboa e ao hastear de uma bandeira estrangeira, o que nem durante o reinado dos Filipes de Espanha havia sucedido.
Portugal, recordamos, foi dos primeiros países a demonstrar a sua determinação contra os avanços da França quando, no ano de 1793, não hesitou em mandar um corpo expedicionário de 5.000 homens para a fronteira espanhola dos Pirinéus na chamada guerra do Rossilhão. Mais tarde havia ainda de mandar a esquadra do Marquês de Niza com o propósito de se juntar à armada britânica de Nelson em Malta e tomar parte nas operações navais do Mediterrâneo.
A Guerra Peninsular, que decorreu de 1807 a 1814, foi um período marcado por humilhações e glórias, caracterizado pela entrega, honra e muito sofrimento que atingiu todas as gentes de Norte a Sul do País, onde se destacou, como sempre ao longo da nossa história, o espírito insubmisso do povo lusitano e a bravura do nosso soldado.
A Revolução Francesa foi um marco na marcha da humanidade e se Portugal, numa política ambígua e nem sempre clara, aprendeu com o seu próprio sangue as consequências da indecisão, não foram, infelizmente, suficientes a Campanha do Rossilhão e a Guerra Peninsular para o País aprender a preparar Corpos Expedicionários. De facto, na 1ª Grande Guerra, Portugal foi mais decidido mas, para mal de todos nós, foi extremamente negligente no acompanhamento das Forças que enviou para a Flandres, Angola e Moçambique.
Que a memória dos portugueses tombados em nome do País seja reavivada, por forma a que essa memória e as páginas de história que escreveram nos oriente na preparação das nossas Forças Armadas, para que hoje em operações de Apoio à Paz e no futuro, no cumprimento de possíveis outras missões, levando o nosso estandarte e defendendo os nossos interesses e valores o possam fazer com honra, com saber, com eficácia e fundamentalmente, com o apoio de toda a nação lusitana.
Queria também nesta breve intervenção referir-me à Comissão Portuguesa de História Militar.
Consciente do valor do trabalho que tem vindo a efectivar, é-me grato destacar o esforço desenvolvido na promoção e coordenação da investigação histórico-militar, designadamente pela realização de eventos desta natureza cuja excelência é por todos reconhecida. Saliento igualmente o seu papel dinamizador no desenvolvimento de relações com as Universidades, estimulando a atenção para a história militar em geral e para o seu ensino em particular.
Assegurando também a Comissão a representação internacional na sua área de intervenção, nomeadamente a representação e participação de Portugal na Comissão Internacional de História Militar, onde promovendo o estudo comparado em espirito de entendimento com os países filiados, projecta o passado histórico militar nacional que se reveste de indiscutível importância a nível universal.
Embora ciente do seu êxito, termino formulando votos de sucesso ao Colóquio e aproveito a oportunidade também, para na qualidade de Ministro que tutela a Comissão Portuguesa de História Militar e em nome do Governo incentivar a continuação de tão prestimoso serviço a Portugal.
- Senhor Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar- Senhor Embaixador de França- Senhor representante do Embaixador de Espanha- Senhor Presidente da Comissão Francesa de História Militar- Senhor Vogal do Bureau Directivo da Comissão Internacional de História Militar- Senhor Reitor da Universidade de Lisboa- Senhores Almirante e Generais representantes dos Chefes de Estado Maior dos Ramos das Forças Armadas- (eventual referência a outras personalidades presentes)- Ilustres oradores convidados- Minhas Senhoras e meus Senhores
Como nos afirma Lidell Hart: "A história mostra que é a perda de esperança e não a perda de vidas que decide o resultado de uma guerra." No actual momento em que nos encontramos, de profundo abalo Político-Militar pós 11 de Setembro, é de extrema importância a reflexão que aqui se faz sobre "Portugal e os abalos Político-Militares da Revolução Francesa no Mundo".
A História é uma ferramenta indispensável para, analisados os acontecimentos passados, nos ajudar a encarar o presente e prospectivar o futuro.
A História Militar, como todos sabemos, distingue-se da história Geral pelo seu objecto de estudo que é a Guerra (actividade específica) e tem como sujeitos passivos - todos a quem afecta - e que no fundo, pensamos, é toda a humanidade.
O estudo sobre a história da guerra permite ajudar a decisão, robustecer a vontade colectiva e a formação de mentalidades, no fundo, uma maior consciência da Nação. Ernest Renan, em 1882, na Sorbonne afirmou: "O que constitui uma Nação não é o facto de se falar a mesma língua ou pertencer ao mesmo grupo étnico, mas sim, ter levado a cabo em comum grandes feitos no passado e o desejo de os realizar também no futuro".
Todos os grandes líderes mundiais que a história imortalizou foram atentos estudiosos da história militar. Napoleão Bonaparte afirmava - "a táctica, a ciência do artilheiro, podem aprender-se nos regulamentos. Mas os jogos mais elevados da guerra, só se aprendem com a experiência e o estudo da história - Lede as 88 campanhas dos grandes capitães da História, meditai e modificai-vos sobre elas". O grande General Francês Foch dizia por seu lado - "A coragem do chefe baseia-se no que sabe, a história ajuda a distinguir o essencial. Pensar pela história eis o que é." Perguntado sobre se ajudava num problema concreto respondeu: "Evidentemente que não: mas dá-me confiança!". De facto, a história nada justifica nem resolve, mas sem o seu conhecimento encaramos o futuro com pouca confiança.
Para Portugal, a Guerra Peninsular foi dos períodos mais marcantes porque nos mais de 8 séculos desta antiga nação europeia, foi nesta época que se assistiu, por pouco tempo felizmente, ao arrear da bandeira nacional em Lisboa e ao hastear de uma bandeira estrangeira, o que nem durante o reinado dos Filipes de Espanha havia sucedido.
Portugal, recordamos, foi dos primeiros países a demonstrar a sua determinação contra os avanços da França quando, no ano de 1793, não hesitou em mandar um corpo expedicionário de 5.000 homens para a fronteira espanhola dos Pirinéus na chamada guerra do Rossilhão. Mais tarde havia ainda de mandar a esquadra do Marquês de Niza com o propósito de se juntar à armada britânica de Nelson em Malta e tomar parte nas operações navais do Mediterrâneo.
A Guerra Peninsular, que decorreu de 1807 a 1814, foi um período marcado por humilhações e glórias, caracterizado pela entrega, honra e muito sofrimento que atingiu todas as gentes de Norte a Sul do País, onde se destacou, como sempre ao longo da nossa história, o espírito insubmisso do povo lusitano e a bravura do nosso soldado.
A Revolução Francesa foi um marco na marcha da humanidade e se Portugal, numa política ambígua e nem sempre clara, aprendeu com o seu próprio sangue as consequências da indecisão, não foram, infelizmente, suficientes a Campanha do Rossilhão e a Guerra Peninsular para o País aprender a preparar Corpos Expedicionários. De facto, na 1ª Grande Guerra, Portugal foi mais decidido mas, para mal de todos nós, foi extremamente negligente no acompanhamento das Forças que enviou para a Flandres, Angola e Moçambique.
Que a memória dos portugueses tombados em nome do País seja reavivada, por forma a que essa memória e as páginas de história que escreveram nos oriente na preparação das nossas Forças Armadas, para que hoje em operações de Apoio à Paz e no futuro, no cumprimento de possíveis outras missões, levando o nosso estandarte e defendendo os nossos interesses e valores o possam fazer com honra, com saber, com eficácia e fundamentalmente, com o apoio de toda a nação lusitana.
Queria também nesta breve intervenção referir-me à Comissão Portuguesa de História Militar.
Consciente do valor do trabalho que tem vindo a efectivar, é-me grato destacar o esforço desenvolvido na promoção e coordenação da investigação histórico-militar, designadamente pela realização de eventos desta natureza cuja excelência é por todos reconhecida. Saliento igualmente o seu papel dinamizador no desenvolvimento de relações com as Universidades, estimulando a atenção para a história militar em geral e para o seu ensino em particular.
Assegurando também a Comissão a representação internacional na sua área de intervenção, nomeadamente a representação e participação de Portugal na Comissão Internacional de História Militar, onde promovendo o estudo comparado em espirito de entendimento com os países filiados, projecta o passado histórico militar nacional que se reveste de indiscutível importância a nível universal.
Embora ciente do seu êxito, termino formulando votos de sucesso ao Colóquio e aproveito a oportunidade também, para na qualidade de Ministro que tutela a Comissão Portuguesa de História Militar e em nome do Governo incentivar a continuação de tão prestimoso serviço a Portugal.
http://www.mdn.gov.pt/Defesa/Discursos/historico/Rui_Pena/XI_CPHM.htm
segunda-feira, setembro 12, 2005
Reportagem fotográfica do nascimento da Audientis
O nosso fotografo profissional (Flávio Miranda) à esquerda num momento de descontração numa cerimónia recheada de pompa e circunstância, cujo interesse chegou a terras de Vera Cruz ...
O Professor Doutor Gonçalves Guimarães, foi o "Ás de Trunfo" da cerimónia. A comunicação como sempre extremamente agradável.
O Presidente do Clube Recreativo Avintense, casa que serviu de "maternidade" do mais recente filho da Clio.
O Professor Doutor Gonçalves Guimarães, foi o "Ás de Trunfo" da cerimónia. A comunicação como sempre extremamente agradável.
O Presidente do Clube Recreativo Avintense, casa que serviu de "maternidade" do mais recente filho da Clio.
O momento oficial da assinatura do Sr. Presidente José Vaz. O Blogger foi apanhado na rede de arrasto ...
Nascimento da Audientis
Aqui fica o discurso do Sr. Presidente deste projecto.
Avintes, 3 de Setembro de 2005
Salão Nobre do Clube Recreativo Avintense
Discurso de apresentação pública da Audientis – Centro de Documentação e Investigação em História Local pelo Presidente da Direcção da Audientis, José Vaz.
– Senhor Vice – Presidente da Assembleia-Geral da Audientis – Dr. Francisco Flores;
– Senhores Membros do Concelho Fiscal da Audientis, Dr. André Marques e Dr. Jorge Cardoso;
– Senhor Presidente da Assembleia-geral do Clube Recreativo Avintense, Dr. Dionísio Alves Pereira;
– Senhor Representante da Junta de Freguesia de Avintes, Dr. António Cardoso;
– Senhor Prof. Dr. Gonçalves Guimarães, em representação das Personalidades Académicas e Científicas que apoiam este projecto;
– Senhores Representantes das Colectividades Avintenses;
– Digníssima Imprensa Regional;
– Excelentíssimos convidados;
– Caríssimos colegas da Faculdade de Letras da Universidade do Porto;
– Minhas Senhoras e meus Senhores,
Há cerca de 3200 anos, no tempo de Ramsés II – faraó egípcio da XIX dinastia, alguém escreveu num túmulo estas palavras:
“Vivos que andais na terra, que amais a vida e odiais a morte, pronunciai o meu nome para que eu viva...”
O apelo desse desconhecido contém um dos desejos mais profundos de cada homem e de cada sociedade humana para que conservem na memória dos vivos a sua existência passada.
Conservar a memória dos homens é, como disse o sábio da historiografia portuguesa, José Mattoso, “recordar o passado é uma forma de lutar contra a morte.
É essa uma das muitas funções da História e o ofício do historiador é, sobretudo, realizar o diálogo entre esse passado e o nosso presente.
Diálogo imprescindível que, ao nível sítios, das pequenas pátrias, neste tempo de globalização, muito contribui para reforçar o sentido de pertença, para a preservar a memória, para desenvolver a consciência social e para promover a cidadania patrimonial.
Crentes no papel da História, como ciência do homem através dos tempos e dos espaços muitos de nós, nascidos e criados num sítio que respira história em cada pedra do caminho, em cada esquina de rua, em cada lugar, sentimos que é nosso dever preservar para transmitir o que os nossos ancestrais nos legaram.
Para isso, aqui estamos neste acto de nascimento, diante de vós, testemunhas do nosso primeiro som existencial.
Simbolicamente, escolhemos o Clube Recreativo Avintense porque foi aqui, neste venerando espaço, que a sociedade civil avintense ergueu há, 116 anos, a sua primeira experiência de associativismo laico e foi aqui que nasceu muita da história que Avintes conhece e cujo caso mais recente, é o da Festa da Broa, que hoje celebra a sua 18ª edição.
Embora a nossa acção seja para alargar ao Concelho de Gaia e à Região Norte, tomamos como designação deste projecto o topónimo Audientis que, segundo o sábio da historiografia portuguesa, Armando de Almeida Fernandes, na sua obra “Paróquias Suevas e Dioceses Visigóticas”, seria o nome que Avintes tinha na segunda metade do século VII, no reinado do rei visigótico Vamba, que reinou entre os anos 672 e 680.
Na hora do nascimento deste projecto, pensamos ser nossa obrigação evocar a memória dos primeiros historiadores de Avintes, que elegemos como nossos patronos e à sombra dos quais nos acolhemos como se de um manto protector se tratasse. São eles:
Teodósia de Magalhães, religiosa do Mosteiro de S. Bento da Avé Maria, no Porto, que nasceu no lugar do Paço, em Avintes, que viveu entre 1667 e 1712 e escreveu a obra histórica “A “Firme Esperança dos Sebastianistas”.
Inocêncio Osório Lopes Gondim, fundador do Clube Recreativo Avintense, 1º Presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia após a proclamação da República, que viveu entre 1863 e 1937 e escreveu a notável obra “Avintes e as suas Antiguidades”.
Avintes e muitas outras terras do concelho de Gaia são produtoras de significativo acervo documental e iconográfico.
Mas a insensibilidade de alguns e o desleixo de outros fazem com que muitos desses traços da vivência passada se percam e assim comprometam a compreensão histórica daqueles que nos hão-de suceder no devir histórico. Que o digam os que estudam as nossas colectividades.
Quando vão à procura dos documentos, na maioria dos casos, deparam-se com um deserto de fontes em colectividades recheadas de anos de vida e de história.
Queremos transformar esta situação.
Ao nível da produção historiográfica, com raras excepções, quase todos os trabalhos têm sido assinados por historiadores por amor a quem devemos, apesar de algumas limitações metodológicas e científicas, o conhecimento do passado das nossas comunidades.
Também, neste aspecto, queremos intervir com o nosso saber e com os nossos conhecimentos científicos.
Para atingir estes objectivos propomo-nos, a médio e a longo prazo:
– Criar um Centro de Documentação onde se guarde e conserve toda a documentação relativa à História de Avintes e seja destinado à investigação da sua História Local visando a elaboração e publicação de uma “Abientae Monumenta Historica”.
– Realizar “Jornadas de História das Pequenas Pátrias” onde se apresentem as novas investigações, descobertas ou interpretações históricas sobre a História Local e a Cidadania Patrimonial, extensivas às freguesias do Concelho de Gaia;
– Criar um Instituto de Ensino Superior (Universidade Sénior ou Permanente) onde as pessoas sem instrução formal universitária, em idade adulta, possam adquirir e/ou aprofundar conhecimentos de carácter universal.
– Organizar Visitas a Sítios com História e promover o turismo histórico.
– Organizar um Curso Livre de História Local nas Escolas EB-2/3.
– Ensinar a fazer Árvores Genealógicas;
– Prestar serviços de investigação de propriedades antigas;
– Prestar aconselhamento toponímico na atribuição dos nomes de ruas e de urbanizações:
– Defender o património histórico;
– Exportar esta experiência para todas as Terras de Gaia.
Pronto, nascemos e queremos proclamar “urbi et orbi” que estamos aqui e somos uma mais-valia científica para os amigos do saber, para as crianças, para as colectividades, para as autarquias e para as demais instituições económicas, sociais, cívicas e religiosas.
Com todos colaboraremos, se isso for do seu interesse, e com base em protocolos de cooperação mútua.
Nesta primeira fase, integram esta cooperativa cultural sem fins lucrativos, homens e mulheres com licentia docendi, outorgada por uma Universidade ou ainda em formação numa Instituição de Ensino Superior.
Com o tempo, integraremos os historiadores por amor, cronistas e personalidades que muito têm contribuído para o conhecimento e a preservação da História Local e Regional.
Abrir-nos-emos, também, a profissionais de outras áreas pois a universalidade do saber a isso o exige.
Assumimo-nos como uma instituição de natureza profissional e, doravante, insistiremos que quem deve tratar da História são aqueles que tem competência para isso, tal como se exige a um médico, a um arquitecto ou a um engenheiro.
Entendemos que chegou a hora de dar à História o que é dos historiadores.
Minhas senhoras e meus senhores, termino como comecei.
Sem a História, sem a memória, um homem, uma comunidade, um povo seriam privados da sua dimensão de humanidade.
Acrescentamos algumas fotos do evento, num post dedicado só à reportagem fotográfica. Desde já agradecemos ao nosso profissional Flávio Miranda.
quinta-feira, agosto 25, 2005
Anúncios
Devido ao comentário compartilhado pelo Gonçalo Maia Marques, apercebi-me que faltava neste blog, um espaço onde fosse possível anunciar actividades relacionadas com a História, bem como outras que se julguem interessantes.
Assim sendo creio ser de todo justificável que o primeiro anúncio deste espaço, seja o já mencionado pelo Gonçalo num outro post.
1º Congresso Internacional sobre Casas Nobres
Novembro, em Arcos de Valdevez.
Para informações e inscrições:
http://www.cm-arcos-valdevez.pt/casanobre/
Assim sendo creio ser de todo justificável que o primeiro anúncio deste espaço, seja o já mencionado pelo Gonçalo num outro post.
1º Congresso Internacional sobre Casas Nobres
Novembro, em Arcos de Valdevez.
Para informações e inscrições:
http://www.cm-arcos-valdevez.pt/casanobre/
quinta-feira, agosto 04, 2005
Homenagem a José Pedro Machado
Filólogo e arabista. Formado em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa (1939), onde foi discípulo do arabista David Lopes, é também formado em Ciências Pedagógicas pela Universidade de Coimbra (1948). Assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1942-1943), funções que a seu pedido deixou de exercer, foi professor do ensino técnico a partir de 1949 e, desde antes mesmo de formado, membro da Comissão de Redacção do Vocabulário e do Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (1938-1940). A sua carreira de arabista inicia-se em 1939, com a publicação de Alguns Vocábulos de Origem Arábica, e reafirma-se logo no ano seguinte com a tese de licenciatura, Comentários a Alguns Arabismos do "Dicionário" de Nascentes. Como filólogo, o seu primeiro trabalho, Curiosidades Filológicas, data de 1940, seguindo-se-lhe, em 1942, O Português do Brasil. Historiador, bibliógrafo, publica os seus primeiros trabalhos nessas áreas respectivamente em 1940 e 1941. Como dicionarista, revelar-se-ia um dos maiores da língua portuguesa, logo quando subscreveu a 10ª edição, em 12 vols., 1948-1959, do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de António Morais Silva. Nesta obra, de que António Pedro seria a um tempo editor e mecenas, José Pedro Machado teve a colaboração de Augusto Moreno e Cardoso Júnior, mas é ao seu paciente labor que se deve um tal monumento ainda hoje inultrapassado. José Pedro Machado editou o Cancioneiro de Évora (1951) e, de colaboração com sua esposa, Elsa Paxeco, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional, em 8 vols. (1949-1964). Publicou ainda a Bibliografia de David Lopes (1967) e, em 3 vols., os Dispersos de D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1969-1972). A sua bibliografia ultrapassa a centena de títulos, não contando com as mais de seis centenas de crónicas em jornais, revistas e boletins diversos.
O texto aqui colocado é uma cópia integral da notícia disponível em http://www.e-cultura.pt/DestaquesDisplay.aspx?ID=237 .
Desde já o nosso agradecimento ao Professor Doutor Carvalho Homem pelo atento aviso, ficando desde já prometido um post em homenagem a Angel Barrios García, com referência à sua produção académica.
O texto aqui colocado é uma cópia integral da notícia disponível em http://www.e-cultura.pt/DestaquesDisplay.aspx?ID=237 .
Desde já o nosso agradecimento ao Professor Doutor Carvalho Homem pelo atento aviso, ficando desde já prometido um post em homenagem a Angel Barrios García, com referência à sua produção académica.
quinta-feira, julho 28, 2005
quinta-feira, junho 23, 2005
Mesa Redonda sobre Bolonha - 22.06.2005
Na sequência da ausência generalizada dos alunos da licenciatura de História, na mesa redonda realizada na "nossa casa" em 22.06.2005, vimos por este meio colocar à disposição de eventuais interessados, a comunicação do nosso representante naquele dia. Esperamos que a temática em questão possa ser enriquecida com os vossos contríbutos.
O Licenciado em História : um condenado à docência ?
Falar de empregabilidade na área da História poderá parecer ousado ou, até, utópico, sobretudo numa atmosfera cultural marcada pela imagem mental do licenciado em História a desempenhar, quase exclusivamente, funções docentes. No entanto, não partilhamos desta ideia profusamente disseminada na nossa comunidade e acreditamos demasiado nas capacidades do licenciado em História – quando aplicado e dedicado ao seu curso – para lhe atribuir papel tão restritivo no panorama profissional português.
O nosso objectivo fundamental é o de sensibilizar todos os agentes universitários e a sociedade em geral, para o imenso manancial de possibilidades de trabalho e de investigação que a História abre em seu redor e cuja exploração – num país com o passado riquíssimo como o nosso – pode ser um factor de animação cultural do país e uma boa solução para combater a tão apregoada crise. Mais adiante propomos um plano de prioridades para o desenvolvimento da consciência histórica na vida cultural e no tecido empresarial português, que consideramos ser praticável, caso haja investimento público, mas, sobretudo, privado.
As competências do licenciado
Como é sabido, as competências tradicionalmente ligadas ao licenciado em História prendem-se, segundo a Reforma Curricular de 2001 do Ministério da Educação, com três domínios distintos :
- domínio da informação / utilização de fontes históricas
- compreensão histórica (nomeadamente temporalidade e espacialidade)
- comunicação em história
Para além destes, o documento desenvolve mais algumas características, aliás já conhecidas do grande público e esgrimidas, frequentemente, em debates da especialidade :
- capacidade invulgar de gestão da informação
- raciocínio metódico e organizado
- invulgar capacidade de compreensão da diferença
- cultura geral diversificada e grande dinamismo intelectual
Com todo o respeito que o documento ministerial nos merece, ousamos apontar mais alguns aspectos que nos parecem importantes na formação do licenciado em História e que, doravante, deverão ser tidos em conta, antes de mais, pela sociedade (dita do conhecimento) e, só depois, pelo mercado de trabalho. Este esforço será tanto melhor sucedido, quanto menor for o número de vagas para os cursos em História. Esta redução de vagas irá permitir, aliás, dois feitos que, de outra forma, dificilmente seriam atingidos – primeiramente, uma aposta na qualidade, que contemplará necessariamente a justa compensação do aluno aplicado e trabalhador (e põe termo à mercantilização do canudo, que abriu a licenciatura em História indiscriminadamente a alunos muitos deles pouco interessados na disciplina e muito mais sedentos de obterem o título de licenciado) e, por outro lado, um relativo controlo do número de licenciados e a garantia que o mercado de trabalho não ficará saturado. E esta, meus caros amigos, é uma condição essencial para a sustentabilidade do emprego em História e, mais ainda, para a dignificação da imagem externa da Universidade, que, actualmente, perante semelhante boom de vagas, pode ser encarada pela sociedade portuguesa como uma fábrica de canudos, o que em nada a dignifica.
Pensar a empregabilidade em História
Realizou-se recentemente na cidade de Coimbra o I Encontro Nacional de Estudantes de História[1] – dias 15 a 17 de Abril, em que esta e outras questões relacionadas com o futuro da História foram amplamente debatidas. Uma das ideias dominantes no painel relativo a saídas profissionais foi, necessariamente, a superação da tensão licenciado em história só pode ser professor.
Em primeiro lugar, há que colocar algumas perguntas a todos os licenciados e a todos os docentes – que competências julgam ter adquirido no decorrer da sua licenciatura e em que medida essas competências podem ser úteis à vida quotidiana ? a História é um mero saber teórico, ou tem alguma aplicabilidade na vida prática ? que espaço deve ser dado aos alunos interessados em colaborar em projectos de investigação alargados ?
Num segundo momento, será importante alertar a comunidade historiográfica e todos os cultores da História, quer façam dela sua forma de vida, ou não, para alternativas que se sobreponham à tradicional vocação forçada do licenciado – o ensino e o desempenho de funções docentes. Neste sentido, propomos um plano alargado de divulgação das potencialidades científicas e quotidianas da História, que passaremos a apresentar, e que mereceu aturada reflexão junto de alguns colegas que actualmente frequentam o 3º ano da Licenciatura nesta casa. É um plano ambicioso, mas que pensamos estar ao nosso alcance, tendo em consideração as potencialidades históricas naturais do nosso país, uma indústria futura a ter em conta para o desenvolvimento da economia nacional, tal como o turismo e o património histórico-cultural.
A História e as TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação)
Numa sociedade em rede, a informática desempenha um papel crucial na actualização e preservação do conhecimento, bem como na sua transmissão em formatos alargados e globais. Ora, como qualquer outra ciência, a História não deve menosprezar o papel divulgador e massificado das TIC e deve procurar fazer bom uso de computadores, leitores de DVD, projectores multimédia, etc ...
Pensamos ser imperioso apostar na criação de uma Associação Nacional de Historiadores Portugueses – já que uma Ordem assusta os mais temerários ... – que congregasse projectos comuns dos diversos cultores da História, contra elitismos e a noção de Historiadores de primeira ou de segunda. Esta associação – que contaria com um pagamento de quotas anual, por parte dos seus associados, para além de outros patrocínios de instituições privadas e do usufruto de descontos na Rede Portuguesa de Museus, etc ... mas igualmente com a distribuição de uma publicação que divulgasse as actividades da associação – criaria projectos para a realização de documentários e mesas redondas em estações de televisão de sinal aberto ou de cabo – como os 4 canais abertos, ou ainda (e sobretudo) o Canal de História, o Canal RTP Memória, entre outros, mais vocacionados para a componente temática da História.
Esta ideia podia impulsionar a criação de grupos de trabalho e mesmo de empresas dedicadas à produção de documentários, reunindo especialistas em audiovisuais, em efeitos especiais e, necessariamente, empregando licenciados em História que, com o domínio do seu saber científico especializado, fossem os consultores dos documentários e garantissem a sua fidedignidade. Temas de História de Portugal, Biografias Régias – porque não dirigidas pelos autores do Círculo de Leitores, reconhecidos académicos de elevado prestígio, Estudos de História Regional e Local, etc ... Este poderia ser um primeiro e importante passo.
Mas falar das TIC, é não esquecer o domínio avassalador exercido pela Internet nos nossos dias e o papel que Historiadores e divulgadores da História têm na criação de páginas tão consultadas e badaladas como o excelente Portal da História[2], sites pessoais e institucionais como o da Academia Portuguesa de História[3], das diversas Faculdades de Letras e respectivos Institutos e Departamentos de História. A futura Associação dos Historiadores Portugueses deveria, entre outras responsabilidades, criar um site que colocasse toda a comunidade histórica e historiográfica em rede, promovendo um debate alargado de todos os agentes produtores e cultores da História, informações pessoais e curriculum`s vitae de cada um dos seus membros, com indicação dos interesses pessoais de investigação, etc ... No fundo, colocar a História em rede com a sociedade.
Mas não basta usar a Internet e a Televisão. Não podemos excluir a papel charneiro que os programadores informáticos, quando aliados a esta causa, poderão desempenhar na dinamização de software informativo e pedagógico, com a chancela de garantia dos Historiadores devidamente creditados para o efeito. No fundo e utilizando uma expressão nossa familiar – um plano tecnológico na divulgação da História de Portugal. Esta intenção tem por objectivo evitar que todo e qualquer pseudo intelectual ou pseudo comentador possa tomar o lugar de um Historiador na análise de temas históricos, tal como nós Historiadores não deveremos opinar impunemente sobre matemática ou arquitectura ...
Não poderá escapar à comunidade científica e aos amantes da História o sucesso conseguido pelo primeiro jogo de computador criado por Portugueses sobre História Portuguesa – refiro-me ao produto Portugal 1111 – a Conquista de Soure, dinamizado por Professores da Universidade de Coimbra e por técnicos informáticos nacionais[4]. Quem nos garante que igual façanha não possa ser repetida ? Só se não for tentada ...
A História e a Indústria Editorial
A História nunca passa de moda e, contrariamente à maioria das ciências físicas, tem ocupado um lugar permanente no decurso da evolução intelectual da Humanidade. Ora, esta ideia de que a História está sempre na moda, encaixa-se perfeitamente no sucesso que Romances Históricos, obras de divulgação e obras de grande fôlego têm conhecido entre nós. Será preciso recordar o sucesso imenso de obras como a História dos Concelhos e Freguesias de Portugal, publicada com um jornal nacional de grande tiragem ? ou das sucessivas Histórias de Portugal publicadas entre nós ? ou das Biografias Régias publicadas pelo Círculo de Leitores ? este apelo do mercado deve fazer qualquer profissional de História empenhar-se na sua disciplina e é um factor de estímulo para apresentar ideias e projectos para novos domínios de análise, senão vejamos :
- a História Empresarial : não faltam, certamente, empresas (grandes, pequenas ou médias) interessadas no estudo das suas origens e no conhecimento das estratégias que garantiram o seu sucesso
- a História Local : é nossa convicção que cada Autarquia Local deve ter nos seus quadros pelo menos um profissional de História, que dinamize o estudo das tradições locais e do património histórico e cultural
- Projectos de tradução de grandes clássicos da Literatura e da Historiografia : que implicaria a mobilização dos nossos colegas de Línguas e Literaturas Modernas e da História – aliando o conhecimento do passado e do autor às técnicas de tradução (e interesse das editorias não faltaria certamente)
No entanto, será importante sublinhar junto da maioria dos colegas, que este tipo de projectos de trabalho pode não significar emprego, mas sim trabalho. E, neste sentido, afiguram-se dois caminhos possíveis : por um lado, numa óptica de freelancing, o licenciado pode apresentar projectos a mais que uma editora, ou então, simplesmente, como qualquer trabalhador vinculado, trabalhar permanentemente numa dada empresa – um privilégio de poucos, infelizmente – e ousar pensar numa carreira.
O Historiador : um funcionário público ?
Outro anátema mental interessante, está relacionado com a ideia de que o Historiador é um funcionário público. Não nos parece inteiramente verdadeira. O Historiador poderá perfeitamente ser encarado como um qualquer funcionário liberal, contratado pelos seus serviços pelo mundo empresarial ou por qualquer particular interessado no estudo da sua figura, percurso, ou da sua família.
Estamos certos que, caso este princípio seja bem aceite pela sociedade, não tardará a criação de empresas de Historiadores, que oferecem a qualquer instituição os seus préstimos. E o que dizer das empresas de recriação histórica, recentemente reunidas em congresso em Óbidos ? será de menosprezar o seu papel na dinamização da História ? não nos parece ...
Porque não pensar a História como um métier, como propõe Marc Bloch na sua Introdução à História ou Métier d`Historien ? Este desafio de Bloch, já inovador na década de 30 do século passado, permite pensar a História não apenas como um saber profissional e profissionalizante, mas como uma maneira de ser e de estar na vida.
A História e a Sociedade
Outro dos nossos projectos é a criação de escolas dedicadas aos estudos históricos abertas a todos os portugueses ou estrangeiros que, sem excepção, se queiram dedicar à arte de clio no melhor das suas capacidades e num verdadeiro acto de amor pelo saber. Uma das propostas que nos parece nada descabida é a criação de Cursos Livres de História de Portugal nos nossos Lares de Terceira Idade, sendo certo que a adesão seria, no mínimo, interessante. Os Idosos são sensíveis, como ninguém, aos assuntos históricos e a sua larga experiência de vida será proveitosa. Estamos certos que as instituições públicas e privadas de solidariedade social não excluiriam esta proposta, que aliás lhes traria maiores dividendos e maior procura dos seus serviços. Não basta apregoar como bandeira da contemporaneidade a aprendizagem ao longo da vida se a sua aplicação for um fiasco.
Para além da aposta na chamada Terceira Idade, propomos a criação de empresas de gestão turística para empreendimentos de turismo rural e de habitação, ou para planeamento de visitas e viagens, que empregaria colegas nossos como guias e como animadores turísticos, outra das portas que se abre à economia nacional e que deve ser uma aposta para o século XXI.
O Processo de Bolonha e a licenciatura em História
No entanto – e porque este debate versa sobretudo a recepção do Processo de Bolonha nas nossas Universidades e, mais concretamente, nesta nossa casa – como equacionar novas saídas profissionais partindo de um plano de estudos que futuramente será bietápico – com um ciclo de estudos graduados e outro de estudos pós-graduados (correspondente a um ciclo de Mestrado e a outro de Doutoramento), sendo a licenciatura já não apenas um fim de formação, mas um mero ponto intermediário articulado com a necessidade de formação ao longo da vida ? Ora, esta Reforma vai, inevitavelmente, exigir muito mais de professores e de alunos. Em primeiro lugar, porque a formação graduada da Licenciatura corresponderá a 3 anos curriculares, o que obriga o Professor a fazer opções programáticas e a actualizar constantemente as suas bibliografias e leituras. Por outro lado, o aluno deverá compreender que deve investir em consulta bibliográfica, em investigação historiográfica e no trabalho com fontes documentais, devendo o discente estar sensibilizado que há muito mais vida para lá dos apontamentos das aulas ...
Uma licenciatura em História de 3 anos leva-nos a pensar profundamente a actual estrutura curricular semestral e a possibilidade – se é que não mesmo a inevitabilidade – de voltar a colocar algumas das principais cadeiras em módulos anuais, conciliados com o actual sistema semestral (investindo num tratamento mais exaustivo das vertentes política, económica e social geral, sem esquecer a componente História de Portugal e, na nossa opinião, uma aposta na História da Arte, que deverá ser uma ferramenta a ter em conta). Por outro lado, tendo presente a estrutura tradicional, que opta por tratar disciplinas como a Pré História, as Civilizações Pré-Clássicas e Clássicas no 1º Ano, a Idade Média no 2º Ano, a Idade Moderna no 3º e a Época Contemporânea no 4º, das duas uma : ou se opta pela fusão de algumas disciplinas numa cadeira mais abrangente, ou então, um tratamento mais superficial, deixando pistas para o ciclo pós-graduado. Ocorre-nos, por exemplo, criar um super primeiro ano, juntando num mesmo semestre as disciplinas de Pré História, Pré Clássicas e Clássicas e no 2º Semestre a iniciação à História Medieval, que se prolongaria para o 2º Ano, ou, ainda, a possibilidade de refundir, como anteriormente, a História Moderna e Contemporânea num mesmo ano lectivo, opção que suscitaria alguma animosidade mas que, estamos certos, poderia ser útil e profícua a uma melhor gestão do tempo.
Concluindo
Para concluir, gostaríamos de sensibilizar a comunidade para a iminência da aplicação entre nós do Processo de Bolonha, já que a maioria dos agentes universitários parece adormecido, ou no mínimo, anestesiado, perante o andamento natural do processo e a necessidade de operar mudanças profundas – e provavelmente fracturantes – no seio da Universidade Portuguesa, sobretudo no tocante aos hábitos de ensino, às licenças sabáticas de longa duração e à negligência no cuidado que deveria ser constante com a actualização dos programas e das bibliografias. Alguns destes passos, foram já tomados, de forma resoluta e decidida, pelos nossos colegas do Ensino Politécnico. Dir-me-ão que o próprio carácter do politécnico – mais ligado à vida prática e menos especulativo e reflexivo – poderá ter sido uma das razões. Talvez. Mas a gestão de todo o processo em antecipação – e não em reacção – e a realização de fóruns e mesas redondas alargadas também foi importante. Apesar da velha rivalidade entre Universidades e Politécnicos, saibamos aprender com quem já pensou (e pensou bem), o futuro do ensino superior em Portugal.
Esperamos que esta breve reflexão possa ter introduzido algumas pistas e tentativas de solução para os problemas com que se depara a nossa licenciatura e do papel dos estudos históricos na nossa sociedade, tendo presente as alterações trazidas pelo Processo de Bolonha, nomeadamente a noção de empregabilidade, um sistema de créditos global à escala europeia e a noção de mobilidade de recursos científicos, em verdadeira rede.
GONÇALO MAIA MARQUES
gmaiamarques@hotmail.com
[1] ver site www.uc.pt/eneh
[2] www.arqnet.pt
[3] www.aph.com.pt
[4] ver site www.portugal1111.com
O Licenciado em História : um condenado à docência ?
Falar de empregabilidade na área da História poderá parecer ousado ou, até, utópico, sobretudo numa atmosfera cultural marcada pela imagem mental do licenciado em História a desempenhar, quase exclusivamente, funções docentes. No entanto, não partilhamos desta ideia profusamente disseminada na nossa comunidade e acreditamos demasiado nas capacidades do licenciado em História – quando aplicado e dedicado ao seu curso – para lhe atribuir papel tão restritivo no panorama profissional português.
O nosso objectivo fundamental é o de sensibilizar todos os agentes universitários e a sociedade em geral, para o imenso manancial de possibilidades de trabalho e de investigação que a História abre em seu redor e cuja exploração – num país com o passado riquíssimo como o nosso – pode ser um factor de animação cultural do país e uma boa solução para combater a tão apregoada crise. Mais adiante propomos um plano de prioridades para o desenvolvimento da consciência histórica na vida cultural e no tecido empresarial português, que consideramos ser praticável, caso haja investimento público, mas, sobretudo, privado.
As competências do licenciado
Como é sabido, as competências tradicionalmente ligadas ao licenciado em História prendem-se, segundo a Reforma Curricular de 2001 do Ministério da Educação, com três domínios distintos :
- domínio da informação / utilização de fontes históricas
- compreensão histórica (nomeadamente temporalidade e espacialidade)
- comunicação em história
Para além destes, o documento desenvolve mais algumas características, aliás já conhecidas do grande público e esgrimidas, frequentemente, em debates da especialidade :
- capacidade invulgar de gestão da informação
- raciocínio metódico e organizado
- invulgar capacidade de compreensão da diferença
- cultura geral diversificada e grande dinamismo intelectual
Com todo o respeito que o documento ministerial nos merece, ousamos apontar mais alguns aspectos que nos parecem importantes na formação do licenciado em História e que, doravante, deverão ser tidos em conta, antes de mais, pela sociedade (dita do conhecimento) e, só depois, pelo mercado de trabalho. Este esforço será tanto melhor sucedido, quanto menor for o número de vagas para os cursos em História. Esta redução de vagas irá permitir, aliás, dois feitos que, de outra forma, dificilmente seriam atingidos – primeiramente, uma aposta na qualidade, que contemplará necessariamente a justa compensação do aluno aplicado e trabalhador (e põe termo à mercantilização do canudo, que abriu a licenciatura em História indiscriminadamente a alunos muitos deles pouco interessados na disciplina e muito mais sedentos de obterem o título de licenciado) e, por outro lado, um relativo controlo do número de licenciados e a garantia que o mercado de trabalho não ficará saturado. E esta, meus caros amigos, é uma condição essencial para a sustentabilidade do emprego em História e, mais ainda, para a dignificação da imagem externa da Universidade, que, actualmente, perante semelhante boom de vagas, pode ser encarada pela sociedade portuguesa como uma fábrica de canudos, o que em nada a dignifica.
Pensar a empregabilidade em História
Realizou-se recentemente na cidade de Coimbra o I Encontro Nacional de Estudantes de História[1] – dias 15 a 17 de Abril, em que esta e outras questões relacionadas com o futuro da História foram amplamente debatidas. Uma das ideias dominantes no painel relativo a saídas profissionais foi, necessariamente, a superação da tensão licenciado em história só pode ser professor.
Em primeiro lugar, há que colocar algumas perguntas a todos os licenciados e a todos os docentes – que competências julgam ter adquirido no decorrer da sua licenciatura e em que medida essas competências podem ser úteis à vida quotidiana ? a História é um mero saber teórico, ou tem alguma aplicabilidade na vida prática ? que espaço deve ser dado aos alunos interessados em colaborar em projectos de investigação alargados ?
Num segundo momento, será importante alertar a comunidade historiográfica e todos os cultores da História, quer façam dela sua forma de vida, ou não, para alternativas que se sobreponham à tradicional vocação forçada do licenciado – o ensino e o desempenho de funções docentes. Neste sentido, propomos um plano alargado de divulgação das potencialidades científicas e quotidianas da História, que passaremos a apresentar, e que mereceu aturada reflexão junto de alguns colegas que actualmente frequentam o 3º ano da Licenciatura nesta casa. É um plano ambicioso, mas que pensamos estar ao nosso alcance, tendo em consideração as potencialidades históricas naturais do nosso país, uma indústria futura a ter em conta para o desenvolvimento da economia nacional, tal como o turismo e o património histórico-cultural.
A História e as TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação)
Numa sociedade em rede, a informática desempenha um papel crucial na actualização e preservação do conhecimento, bem como na sua transmissão em formatos alargados e globais. Ora, como qualquer outra ciência, a História não deve menosprezar o papel divulgador e massificado das TIC e deve procurar fazer bom uso de computadores, leitores de DVD, projectores multimédia, etc ...
Pensamos ser imperioso apostar na criação de uma Associação Nacional de Historiadores Portugueses – já que uma Ordem assusta os mais temerários ... – que congregasse projectos comuns dos diversos cultores da História, contra elitismos e a noção de Historiadores de primeira ou de segunda. Esta associação – que contaria com um pagamento de quotas anual, por parte dos seus associados, para além de outros patrocínios de instituições privadas e do usufruto de descontos na Rede Portuguesa de Museus, etc ... mas igualmente com a distribuição de uma publicação que divulgasse as actividades da associação – criaria projectos para a realização de documentários e mesas redondas em estações de televisão de sinal aberto ou de cabo – como os 4 canais abertos, ou ainda (e sobretudo) o Canal de História, o Canal RTP Memória, entre outros, mais vocacionados para a componente temática da História.
Esta ideia podia impulsionar a criação de grupos de trabalho e mesmo de empresas dedicadas à produção de documentários, reunindo especialistas em audiovisuais, em efeitos especiais e, necessariamente, empregando licenciados em História que, com o domínio do seu saber científico especializado, fossem os consultores dos documentários e garantissem a sua fidedignidade. Temas de História de Portugal, Biografias Régias – porque não dirigidas pelos autores do Círculo de Leitores, reconhecidos académicos de elevado prestígio, Estudos de História Regional e Local, etc ... Este poderia ser um primeiro e importante passo.
Mas falar das TIC, é não esquecer o domínio avassalador exercido pela Internet nos nossos dias e o papel que Historiadores e divulgadores da História têm na criação de páginas tão consultadas e badaladas como o excelente Portal da História[2], sites pessoais e institucionais como o da Academia Portuguesa de História[3], das diversas Faculdades de Letras e respectivos Institutos e Departamentos de História. A futura Associação dos Historiadores Portugueses deveria, entre outras responsabilidades, criar um site que colocasse toda a comunidade histórica e historiográfica em rede, promovendo um debate alargado de todos os agentes produtores e cultores da História, informações pessoais e curriculum`s vitae de cada um dos seus membros, com indicação dos interesses pessoais de investigação, etc ... No fundo, colocar a História em rede com a sociedade.
Mas não basta usar a Internet e a Televisão. Não podemos excluir a papel charneiro que os programadores informáticos, quando aliados a esta causa, poderão desempenhar na dinamização de software informativo e pedagógico, com a chancela de garantia dos Historiadores devidamente creditados para o efeito. No fundo e utilizando uma expressão nossa familiar – um plano tecnológico na divulgação da História de Portugal. Esta intenção tem por objectivo evitar que todo e qualquer pseudo intelectual ou pseudo comentador possa tomar o lugar de um Historiador na análise de temas históricos, tal como nós Historiadores não deveremos opinar impunemente sobre matemática ou arquitectura ...
Não poderá escapar à comunidade científica e aos amantes da História o sucesso conseguido pelo primeiro jogo de computador criado por Portugueses sobre História Portuguesa – refiro-me ao produto Portugal 1111 – a Conquista de Soure, dinamizado por Professores da Universidade de Coimbra e por técnicos informáticos nacionais[4]. Quem nos garante que igual façanha não possa ser repetida ? Só se não for tentada ...
A História e a Indústria Editorial
A História nunca passa de moda e, contrariamente à maioria das ciências físicas, tem ocupado um lugar permanente no decurso da evolução intelectual da Humanidade. Ora, esta ideia de que a História está sempre na moda, encaixa-se perfeitamente no sucesso que Romances Históricos, obras de divulgação e obras de grande fôlego têm conhecido entre nós. Será preciso recordar o sucesso imenso de obras como a História dos Concelhos e Freguesias de Portugal, publicada com um jornal nacional de grande tiragem ? ou das sucessivas Histórias de Portugal publicadas entre nós ? ou das Biografias Régias publicadas pelo Círculo de Leitores ? este apelo do mercado deve fazer qualquer profissional de História empenhar-se na sua disciplina e é um factor de estímulo para apresentar ideias e projectos para novos domínios de análise, senão vejamos :
- a História Empresarial : não faltam, certamente, empresas (grandes, pequenas ou médias) interessadas no estudo das suas origens e no conhecimento das estratégias que garantiram o seu sucesso
- a História Local : é nossa convicção que cada Autarquia Local deve ter nos seus quadros pelo menos um profissional de História, que dinamize o estudo das tradições locais e do património histórico e cultural
- Projectos de tradução de grandes clássicos da Literatura e da Historiografia : que implicaria a mobilização dos nossos colegas de Línguas e Literaturas Modernas e da História – aliando o conhecimento do passado e do autor às técnicas de tradução (e interesse das editorias não faltaria certamente)
No entanto, será importante sublinhar junto da maioria dos colegas, que este tipo de projectos de trabalho pode não significar emprego, mas sim trabalho. E, neste sentido, afiguram-se dois caminhos possíveis : por um lado, numa óptica de freelancing, o licenciado pode apresentar projectos a mais que uma editora, ou então, simplesmente, como qualquer trabalhador vinculado, trabalhar permanentemente numa dada empresa – um privilégio de poucos, infelizmente – e ousar pensar numa carreira.
O Historiador : um funcionário público ?
Outro anátema mental interessante, está relacionado com a ideia de que o Historiador é um funcionário público. Não nos parece inteiramente verdadeira. O Historiador poderá perfeitamente ser encarado como um qualquer funcionário liberal, contratado pelos seus serviços pelo mundo empresarial ou por qualquer particular interessado no estudo da sua figura, percurso, ou da sua família.
Estamos certos que, caso este princípio seja bem aceite pela sociedade, não tardará a criação de empresas de Historiadores, que oferecem a qualquer instituição os seus préstimos. E o que dizer das empresas de recriação histórica, recentemente reunidas em congresso em Óbidos ? será de menosprezar o seu papel na dinamização da História ? não nos parece ...
Porque não pensar a História como um métier, como propõe Marc Bloch na sua Introdução à História ou Métier d`Historien ? Este desafio de Bloch, já inovador na década de 30 do século passado, permite pensar a História não apenas como um saber profissional e profissionalizante, mas como uma maneira de ser e de estar na vida.
A História e a Sociedade
Outro dos nossos projectos é a criação de escolas dedicadas aos estudos históricos abertas a todos os portugueses ou estrangeiros que, sem excepção, se queiram dedicar à arte de clio no melhor das suas capacidades e num verdadeiro acto de amor pelo saber. Uma das propostas que nos parece nada descabida é a criação de Cursos Livres de História de Portugal nos nossos Lares de Terceira Idade, sendo certo que a adesão seria, no mínimo, interessante. Os Idosos são sensíveis, como ninguém, aos assuntos históricos e a sua larga experiência de vida será proveitosa. Estamos certos que as instituições públicas e privadas de solidariedade social não excluiriam esta proposta, que aliás lhes traria maiores dividendos e maior procura dos seus serviços. Não basta apregoar como bandeira da contemporaneidade a aprendizagem ao longo da vida se a sua aplicação for um fiasco.
Para além da aposta na chamada Terceira Idade, propomos a criação de empresas de gestão turística para empreendimentos de turismo rural e de habitação, ou para planeamento de visitas e viagens, que empregaria colegas nossos como guias e como animadores turísticos, outra das portas que se abre à economia nacional e que deve ser uma aposta para o século XXI.
O Processo de Bolonha e a licenciatura em História
No entanto – e porque este debate versa sobretudo a recepção do Processo de Bolonha nas nossas Universidades e, mais concretamente, nesta nossa casa – como equacionar novas saídas profissionais partindo de um plano de estudos que futuramente será bietápico – com um ciclo de estudos graduados e outro de estudos pós-graduados (correspondente a um ciclo de Mestrado e a outro de Doutoramento), sendo a licenciatura já não apenas um fim de formação, mas um mero ponto intermediário articulado com a necessidade de formação ao longo da vida ? Ora, esta Reforma vai, inevitavelmente, exigir muito mais de professores e de alunos. Em primeiro lugar, porque a formação graduada da Licenciatura corresponderá a 3 anos curriculares, o que obriga o Professor a fazer opções programáticas e a actualizar constantemente as suas bibliografias e leituras. Por outro lado, o aluno deverá compreender que deve investir em consulta bibliográfica, em investigação historiográfica e no trabalho com fontes documentais, devendo o discente estar sensibilizado que há muito mais vida para lá dos apontamentos das aulas ...
Uma licenciatura em História de 3 anos leva-nos a pensar profundamente a actual estrutura curricular semestral e a possibilidade – se é que não mesmo a inevitabilidade – de voltar a colocar algumas das principais cadeiras em módulos anuais, conciliados com o actual sistema semestral (investindo num tratamento mais exaustivo das vertentes política, económica e social geral, sem esquecer a componente História de Portugal e, na nossa opinião, uma aposta na História da Arte, que deverá ser uma ferramenta a ter em conta). Por outro lado, tendo presente a estrutura tradicional, que opta por tratar disciplinas como a Pré História, as Civilizações Pré-Clássicas e Clássicas no 1º Ano, a Idade Média no 2º Ano, a Idade Moderna no 3º e a Época Contemporânea no 4º, das duas uma : ou se opta pela fusão de algumas disciplinas numa cadeira mais abrangente, ou então, um tratamento mais superficial, deixando pistas para o ciclo pós-graduado. Ocorre-nos, por exemplo, criar um super primeiro ano, juntando num mesmo semestre as disciplinas de Pré História, Pré Clássicas e Clássicas e no 2º Semestre a iniciação à História Medieval, que se prolongaria para o 2º Ano, ou, ainda, a possibilidade de refundir, como anteriormente, a História Moderna e Contemporânea num mesmo ano lectivo, opção que suscitaria alguma animosidade mas que, estamos certos, poderia ser útil e profícua a uma melhor gestão do tempo.
Concluindo
Para concluir, gostaríamos de sensibilizar a comunidade para a iminência da aplicação entre nós do Processo de Bolonha, já que a maioria dos agentes universitários parece adormecido, ou no mínimo, anestesiado, perante o andamento natural do processo e a necessidade de operar mudanças profundas – e provavelmente fracturantes – no seio da Universidade Portuguesa, sobretudo no tocante aos hábitos de ensino, às licenças sabáticas de longa duração e à negligência no cuidado que deveria ser constante com a actualização dos programas e das bibliografias. Alguns destes passos, foram já tomados, de forma resoluta e decidida, pelos nossos colegas do Ensino Politécnico. Dir-me-ão que o próprio carácter do politécnico – mais ligado à vida prática e menos especulativo e reflexivo – poderá ter sido uma das razões. Talvez. Mas a gestão de todo o processo em antecipação – e não em reacção – e a realização de fóruns e mesas redondas alargadas também foi importante. Apesar da velha rivalidade entre Universidades e Politécnicos, saibamos aprender com quem já pensou (e pensou bem), o futuro do ensino superior em Portugal.
Esperamos que esta breve reflexão possa ter introduzido algumas pistas e tentativas de solução para os problemas com que se depara a nossa licenciatura e do papel dos estudos históricos na nossa sociedade, tendo presente as alterações trazidas pelo Processo de Bolonha, nomeadamente a noção de empregabilidade, um sistema de créditos global à escala europeia e a noção de mobilidade de recursos científicos, em verdadeira rede.
GONÇALO MAIA MARQUES
gmaiamarques@hotmail.com
[1] ver site www.uc.pt/eneh
[2] www.arqnet.pt
[3] www.aph.com.pt
[4] ver site www.portugal1111.com
sexta-feira, abril 08, 2005
O Futuro da História
Como é do conhecimento dos colegas do curso de História da FLUP, temos debatido frequentemente qual o futuro do licenciado. Quero abrir aqui um espaço para reflexões, sugestões e queixas acerca do assunto.
Na qualidade de representante dos discentes prometo levar até ao Departamento, todos os contríbutos que se julguem relevantes. Com a colaboração de todos será mais fácil enfrentar os dias que se advinham. Pela Clio e pela nossa "felicidade", participem.
Na qualidade de representante dos discentes prometo levar até ao Departamento, todos os contríbutos que se julguem relevantes. Com a colaboração de todos será mais fácil enfrentar os dias que se advinham. Pela Clio e pela nossa "felicidade", participem.
terça-feira, março 15, 2005
Um percurso pela Avintes Medieval
Um percurso pela Avintes Medieval
GONÇALO MAIA MARQUES e LUÍS ALVES DOS REIS[1]
É para esta assembleia repleta de avintenses ilustres, filhos desta pequena pátria milenar e das suas gentes, que dirigimos as nossas primeiras palavras – de amizade e consideração, por um lado, e de humildade e recolhimento, por outro, pelas eventuais imprecisões toponímicas ou de outra ordem, que possam surgir no decurso da apresentação desta comunicação, naturais daqueles que, mau grado o gosto que alimentam por estes caminhos e pelo cheiro desta terra, não a conhecem na plenitude das suas faculdades.
O nosso objectivo é levar a todos aqueles que nos escutam alguns elementos culturais e sociais que caracterizavam a vida quotidiana da Avintes Medieval e, a partir destes elementos, tentar traçar um quadro aproximado do aspecto que a vila teria há cerca de mil anos atrás. Para isso, procuramos socorrer-nos de algumas fontes produzidas na época medieval, como por exemplo, as Inquirições Gerais de Afonso III, de 1258; as Vereações Municipais Portuenses de 1390-95 (o mais antigo Livro até agora descoberto) ou a documentação monástica e diocesana.
1. As Inquirições Gerais de Afonso III de 1258
As Inquirições Gerais de 1258, organizadas e publicadas no Reinado de D. Afonso III, são hoje um dos instrumentos mais preciosos ao trabalho dos medievistas portugueses, não só pela sua extraordinária riqueza patrimonial e documental, como também pelas inestimáveis referências que nos fornecem quanto à organização da propriedade, ao pagamento das rendas, ao perfil social dos caseiros e dos rendeiros, às idiossincrasias da povoação inquirida e, em última instância, à radiografia que o inquiridor vai traçando daquilo que lhe cumpre registar e fazer chegar ao monarca.
Relativamente à primeira fonte que foi objecto da nossa atenção (as Inquirições Gerais de Afonso III, de 1258) decidimos estabelecer, primeiramente, um levantamento das fórmulas usadas pelos inquiridores, para tentar retirar daquele inquérito concretizado a pedido do monarca o máximo de informação possível. Depois de consultado um trabalho da Revista de História Económica e Social relacionado com o estudo destas Inquirições Gerais como fonte para a investigação no domínio da História da Nobreza[2], concluímos, com os autores do trabalho, tratar-se do seguinte esquema:
1. Inquirição relativa à propriedade eclesiástica e direitos de padroado
- “cuja est ipsa ecclesia/monasterium” (a quem pertence esta Igreja / Mosteiro ?)
- “quis dedit ei ipsam ecclesiam vel quis presentavit eam” (como foi adquirida ?)
- “si Dominus Rex habet ibi aliquod jus vel debet habere” (quais os rendimentos devidos ao Monarca ?)
2. Levantamento da restante propriedade
- “unde habuit iilud/ea (casal/casalia) vel quomodo acquisierunt illud/ea” (onde se situam os casais e qual o modo como foram adquiridos)
- “in quo tempore comparavit illud/ea” (quando foram adquiridos ?)
- “si habet Dominus Rex aliquod Realengum”[3] (há algum realengo?)
Este conjunto de perguntas, sabiamente formuladas pelos inquiridores com o intuito de por cobro a alguns desmandos da aristocracia e do clero que, como sabemos, angariavam enormes domínios fundiários pela acumulação de mercês régias e de doações, constituindo, assim, um poderoso inimigo da centralização da máquina administrativa que o Bolonhês pretendia implementar, visavam determinar, em primeiro lugar, qual a propriedade reguenga existente no lugar – já que o monarca era, ainda na época, um senhor entre muitos outros e um terratenente – e, num segundo momento, qual a restante propriedade privilegiada (pertencente ao Clero, Ordens Religioso – Militares ou à Nobreza). Note-se que, desde o Reinado de Afonso II que a Coroa vinha publicando Leis de Desamortização sobre o Património Eclesiástico e Nobre, como forma de proteger os interesses monárquicos e de travar o perigo corporizado pela manta de retalhos do Portugal senhorial.
Em seguida, uma breve nota sobre o casal. Trata-se de uma pequena ou média propriedade agrária, normalmente ligada a uma Instituição com grande peso social (Diocese, Mosteiro, Nobreza ou Coroa) que dela colhe os seus rendimentos por via directa (por usufruto do próprio trabalho) ou indirecta (recrutando mão de obra alheia à instituição e angariada em estratos que lhe eram hierarquicamente inferiores) e característica, sobretudo, do trabalho minifundiário decorrente de uma agricultura de subsistência, muito praticada na época medieval.
Cumprido que está este primeiro passo, que se revestiu de duas facetas essenciais – a compreensão da engrenagem do texto da fonte e a sua articulação com as nossas investigações – torna-se necessário, como sabiamente diz o povo, chamar Avintes ao barulho e perceber como esta vila foi retratada e analisada na Inquirição que lhe foi feita.
De facto, a região em que nos encontramos estava integrada no Julgado de Gondomar e, como afirma Luís Krus[4] “duas freguesias situavam-se em parte, na margem sul do douro – Lebrinho e Avintes; os inquiridores não atravessam o rio quia isti homines morabuntur ultra Durium, “non moranbutur in termino nostre inquisitionis”[5]. Apesar do sentimento de pertença ao espaço que hoje classificamos de Julgado de Gondomar não ser, na época, uma realidade, a população sabia que o propósito da inquirição seria apurar, antes de mais, as fontes de rendimentos detidas pelo Senhor Rei (Dominus Rex) na vila.
Ora sabemos que Avintes fazia parte, em 1258, dos domínios directamente controlados pelo Rei, ou seja, era um realengo ou reguengo. Ao contrário do que se poderia pensar, este elemento não abona muito em favor de uma grande quantidade de informação directa, no entanto, propomo-nos compartilhar a informação aí contida e se possível enriquecê-la com outros trabalhos e com o sempre indispensável conhecimento do terreno.
A primeira informação que nos é transmitida pela fonte é o nome da pessoa que é inquirida: Johannes Sbjerii. Seria, muito provavelmente, o pároco da vila. Infelizmente, nada mais se sabe acerca desta personagem além do nome. Com efeito, desconhece-se a sua origem, a sua ordem sacerdotal, e a duração do seu serviço em prol da comunidade, bem como a obra que deixou.
Algo que sabemos de muito concreto é o montante das rendas que eram entregues anualmente ao monarca, não fosse o propósito da Inquirição, antes de mais, a avaliação dos rendimentos detidos pela coroa no território avintense.
Não é de estranhar que o primeiro género a ser mencionado seja o pão.
Como muito bem sublinhou o Dr. Francisco Sampaio num trabalho recentemente publicado pela Confraria da Broa de Avintes[6], este produto – que é, ao mesmo tempo, um ícone avintense – é já conhecido e apreciado pelos nossos antepassados medievais, a ponto de ser alvo de uma importante nota no Foral concedido por Afonso III a Gaia. Diz o decreto que “defendemos firmemente sob pena de desuso que nenhuma nova portagem não imponha às padeiras da cidade do Porto, nem às outras mulheres de trigo ou outro grão que em Terras de Santa Maria comprarem e com ele a cidade quiserem passar - prontamente ordenamos e mandamos que se essas padeiras de Gaia quiserem vender seu pão na cidade, ou as padeiras da cidade em Gaia, os almotacés daquele lugar não se oponham [...] Por outra maneira não sejam constrangidos os d´Avintes de aportarem nos lugares onde lhes aprouver (15 de Fevereiro de 1282 – El Rei)”[7]. Mais tarde, o filho do Bolonhês, D. Dinis, publicará um conjunto de directivas em que se estabelece que, doravante, a cozedura de pão de milho deverá ser feita em Avintes e Valongo, substituindo o Porto, por riscos elevados de incêndio no burgo intra muros.
Podemos afirmar que numa altura em que o país procurava a consolidação territorial, na sequência das campanhas da Reconquista, já a região de Avintes era produtora de pão em quantidades suficientes para prover ao sustento da sua população e muito provavelmente para comercializar. Quem ainda não consultou a fonte, interrogar-se-á qual a quantidade de pão que era entregue sob a forma de renda. Nada mais, nada menos que sete moios ou medidas. Estas medidas estariam, no entanto, longe de ser comuns a todo o reino, pois a fonte apressa-se a especificar-nos que essas medidas teriam em conta a medida que se designava de palaciana, o que nos poderá remeter para o centro da intriga política – o paço real. Não nos esqueçamos que, desde Afonso II, a coroa procurava instalar na cúria régia a plenitude do poder político, num esforço concertado de centralização, que seria prosseguido por Sancho II mas, sobretudo, por Afonso III. Não é preciso muito estudo ou poder de imaginação para concluirmos que estaríamos perante a maior medida aplicada ao pão. Nas entrelinhas podemos deduzir que, de facto, a região em questão seria rica em grão.
De seguida temos o segundo género, o vinho. Os nossos conhecimentos são diminutos quanto ao seu enquadramento no burgo avintense, sabemos, porém, que o peso acumulado por este produto no comércio externo da cidade do Porto era já nesta época relevante, sobretudo com a região do Garonne, e poderemos, assim, avançar a possibilidade de ser o realengo de Avintes um dos fornecedores da cidade, perante a existência de vinhas documentáveis nas Inquirições. Quem cruzava o Douro numa pequena embarcação a remos para levar pão, podia também levar uma barrica ou pipa de vinho. A fonte fala-nos que eram entregues ao Rei sete quartas de vinho. Mais à frente, a palavra quartas surge entre parêntesis com o termo sic, sinal que quem transcreveu o documento original desconhecia esta medida. Ficamos assim sem saber a quantos litros corresponderiam essas quartas. Só uma leitura de outras referências nos possibilitará, por comparação, deduzir a dimensão relativa desta renda.
Finalmente, o realengo rendia ainda ao soberano um último género alimentício. Neste caso seriam capões, num número total de sete. Mais uma vez, só uma comparação com outras realidades nos permite concluir se esta quantidade era significativa de grande produção avícola na região. No entanto, o facto de ser pago em capões leva-nos também a concluir que seria prática corrente enviar os frangos mais magros como pagamento de rendas. O capão será sempre um galo grande e como tal uma exigência que demonstra que se pretendia do realengo o melhor que este tinha para dar.
As Inquirições dão-nos ainda outras informações, que podem revelar-se de muito interesse para futuros estudos.
Em primeiro lugar, ficamos a saber que existe um indivíduo, que dá pelo nome de D. Egidium Velasci (Egídio Vasques, actualizando), que compra terrenos anexos ao reguengo. A pergunta impõe-se: Quem é D. Egidium ? Qual a razão do seu investimento em Avintes? O único dado descoberto que pode ser útil para um aprofundar do tema é o facto de D. Egidium possuir leiras e “quebrantis” em Valbom, sendo que paga todos os anos nove dinheiros de impostos régios. Uma leitura casual desta informação não revelará tudo o que nela se encobre… Primeiramente, devemos notar que D. Egidium possui terras dos dois lados do Douro, a nosso ver uma prova que os portugueses medievos não eram tão avessos à ideia de viagem como nos querem fazer crer.
Uma segunda leitura mostra-nos que nem só de géneros vivia o monarca. Não devia ser muita a moeda que circulava entre o comum dos mortais… mas é este o meio através do qual D. Egidium paga a sua contribuição fiscal, sinal de que tinha provavelmente trato com esta forma de pagamento e um estatuto social que lhe conferia um rendimento já aceitável. Aqui se abre uma série de perguntas, um das quais a compreensão do valor facial da moeda e da sua relação com o poder económico da população - o que representaria, nos nossos dias, nove dinheiros? Que tipo de encargo era este que, para D. Egidium, seria demasiado oneroso ou, por outro lado, era algo que não o afectava consideravelmente? Como podemos facilmente constatar são muito mais as questões do que as respostas, esperamos num futuro breve poder inverter esta tendência e compartilhar os resultados dos nossos trabalhos convosco.
A fonte revela-nos ainda o nome de mais três avintenses, Petrus Subjerii (Pedro), Menendus Ribeirus (Mendo Ribeiro) e Pelagius Petri (Paio Pedro). Estas são as três testemunhas que juram que a informação prestada pelo inquirido é verdadeira. Uma vez mais abrem-se portas para a investigação e aqui então o desequilíbrio entre as perguntas e as respostas é ainda maior. Não sabemos rigorosamente nada acerca destes homens, podendo unicamente opinar que não devemos excluir a possibilidade de haver uma grau de parentesco entre o inquirido e a primeira testemunha, uma vez que partilha do mesmo apelido. No entanto, mais à frente, voltaremos a este assunto, para vos dar conta de algumas possíveis leituras que se foram cruzando connosco no decorrer das nossas investigações.
2. As Vereações Portuenses de 1390-95
As referências à Vila de Avintes contidas no mais antigo Livro de Vereações do município Portuense, estão relacionadas com duas actas – concretamente, as nos 26 e 84.
No que se refere ao primeiro documento, datado de 4 de Março de 1390, onde se encontra transcrita uma fonte preciosa para o estudo, não só do burgo avintense medieval, como de toda a Terra de Gaia, a Carta do Privilégio de Gaia, que será confirmada pelo Rei D. Dinis, somos confrontados com uma referência ao comércio de peixe no Douro e à sua regulamentação – “e outrossy regateiro nom saya ao camjnho pera comprar as vendas que veerem nem enbragalas ataa que uaam ao açougue ou a feira hu quiserem hir saluo que as regateiras de gaya e de vila nova comprem unde quiserem comprar e outro sy que os moradores da alheira e da vyntes uaam per qual das ditas vilas quiserem […]”[8]. Trata-se de um texto precioso, que nos permite tirar algumas ilações. Senão vejamos:
Em primeiro lugar, dá para perceber que o peixe desempenhava, juntamente com o pão, a base da dieta dos avintenses, que pelas suas condições geográficas e morfológicas, tinham acesso a cada um destes bens em quantidades apreciáveis.
Em segundo lugar, os privilégios concedidos às regateiras de Avintes, atestam a sua importância no quadro regional e, mormente, no contexto da urbe portuense. Estas mulheres vendiam o produto da sua faina nas feiras do Porto e granjearam, até, algum prestígio junto dos restantes ofícios tradicionais da cidade.
Por último, o documento emitido pela chancelaria dionisina dá-nos conta de uma preocupação muito grande da coroa na prossecução da ordem jurídica do Julgado de Gaia e dos seus juízes e funcionários, o que interessa de sobremaneira aos avintenses medievais, já que a aplicação da justiça e a cobrança de alguns impostos está dependente das autoridades locais gaienses, numa época em que Avintes já teria passado da alçada do Julgado de Gondomar – em 1258, como se lembram – para a jurisdição de Gaia[9].
Outra das leituras que podemos fazer neste momento e perante um público que conta com alguns dos mais insignes membros da Confraria da Broa de Avintes é a de que o pão era já, para os avintenses, um sinal da sua própria matriz cultural, da sua identidade. Não seria de estranhar que já nesta época a deliciosa broa de Avintes fosse acompanhada da suculenta sardinha (ou mesmo de outro peixe) pescada nas imediações da Foz do Douro, já em pleno mar, ou trazida ao Porto por mercadores galegos, que por aqui passavam abundantemente como as Vereações atestam.
Relativamente à acta nº 84, datada de 12 de Março de 1393, onde a vereação discute a sempre problemática questão do abastecimento de bens de primeira necessidade à cidade, diz-se que “huma das cousas per que a dita çidade vynham os mantimentos de ffora parte sse era per rrazom dos pescados que dhy leuauam e por quanto a elles era dito que os bargeiros davyntes e ual boom e de canpanhaa e de guimaraes vendiam os savees lanpreas a mujtos rregatoens e rrecoueiros de fora da dita çidade”[10].
De facto, quer Avintes, quer as restantes vilas que se encontram na margem Sul do Rio Douro eram grandes consumidoras de pescado e o destino do seu trabalho e da sua faina era o grande mercado vizinho da época : o burgo medieval portuense.
3. Avintes perante a Revolução de 1383 - 85
Sendo um dos mais importantes conflitos da Idade Média Portuguesa e tendo afectado a maior parte do país, a Revolução de 1383 – 85, cuja raiz é o casamento de Dona Beatriz com João I de Castela, na sequência da assinatura do Tratado de Salvaterra de Magos entre as coroas portuguesa e castelhana, fez sentir a sua marca também na região avintense.
Segundo afirma o Professor Humberto Baquero Moreno, “a cidade, contudo, que desempenhou um papel fulcral e fundamental no apoio ao Mestre de Avis foi o Porto. Sem o seu concurso dificilmente D. João poderia dispor de forças que lhe permitissem desencadear acções militares sobre redutos apoiantes de Dona Beatriz. Mas a participação do Porto tem de ser encarada num todo de que fazem parte as áreas limítrofes de Monchique, Cedofeita, Massarelos, Vila Nova, São João da Foz, Matosinhos, Leça, Azurara, Gaia Maior, Gaia Pequena, Coimbrões, Lavadores, Mafamude e Maceira, cujas populações numa acção conjunta constituíram um baluarte de resistência ao monarca castelhano[11]”. Mais ainda – “não havendo a menor dúvida que os gaienses tomaram voz pelo Mestre de Avis, sem a mínima hesitação, face até à causa, teremos no entanto de observar que nem sempre se verificou uma consonância no seio das localidades. A circunstância de muitas delas, sobretudo na região do norte, haverem proclamado a sua adesão a João I de Castela, resultou fundamentalmente da aderência da Nobreza ao compromisso de Salvaterra de Magos”[12].
Ainda que não esteja documentada a presença de avintenses nas hostes do partido de Avis ou do partido castelhano, é possível que, pela proximidade do burgo portuense, a arraia miúda avintense manifestasse a sua simpatia pela causa do Mestre. Por outro lado, os grandes senhores – e Avintes foi, durante toda a Idade Média, um domínio senhorial (primeiro do Monarca e depois da Nobreza) – receando a perda dos seus privilégios perante a rebelião popular, teriam apoiado o partido de Dona Beatriz e de João I de Castela. O cenário, apesar da escassez de testemunhos directos, não seria muito diferente daquele que agora reconstituímos.
Importa registar que, após o apoio dado pelos vizinhos do Porto e pela burguesia duriense ao Mestre de Avis na sua investidura como Regedor e Defensor do Reino, o Arcebispo de Braga, que suportava o partido de Dona Beatriz, planeia tomar a cidade do porto, em Maio de 1384, em resposta ao triunfo da frota portuense no combate do Cerco de Lisboa[13]. Perante esta ameaça é certo o apoio dado pelos habitantes da margem vizinha do Douro, onde se contavam os habitantes de Avintes. Para além deste episódio de natureza militar, convém dizer nesta apresentação que, logo que foi aclamado Rei de Portugal pelas Cortes de Coimbra, em 1385, D. João I parte para o Porto, onde agradece o apoio que lhe fora prestado no decorrer da Guerra com Castela, tendo permanecido em terras gaienses – note-se que o Alcaide de Gaia, Aires Gonçalves de Figueiredo, é um dos comandantes da defesa desta vasta região contra as tropas do Arcebispo de Braga. Chega a Gaia em 24 de Abril de 1385 “procedendo de imediato à travessia do Douro[14]”. É bem possível que um dos pontos utilizado pelo novo monarca e pelos seus homens para o embarque da comitiva régia fosse o famoso embarcadouro da Praia do Areinho de Avintes – não só pela sua posição geográfica e pelas acessibilidades que proporcionava, como também pela relativa proximidade das docas portuenses.
4. Avintes e a Historiografia Medievística Portuguesa
A ideia original desta apresentação prendia-se, acima de tudo, com a análise das Inquirições de 1258, mas ao entrarmos em contacto com outras fontes e informações fomos alargando o âmbito da mesma, tornando-a assim num percurso medieval por Avintes. Como tiveram oportunidade de observar, também as Actas de Vereação do Porto mereceram a nossa atenção. Quando pensávamos ter já a totalidade da nossa apresentação pronta, surgiu-nos uma outra informação a qual pensamos que se enquadra perfeitamente no nosso percurso medievo avintense.
Entre a vasta obra de um dos maiores medievistas portugueses de sempre, encontramos O monaquismo Ibérico e Cluny. Referimo-nos, obviamente, a José Mattoso. Nesta obra surge uma referência a um mosteiro em Vila Nova, no século X, que se trata do Mosteiro de Santa Marinha[15]. Dito desta forma, rapidamente nos apressaríamos a colocar o mosteiro junto ao Rio Douro, na freguesia de Santa Marinha, cerca de Mafamude. Esta é, sem embargo, uma das hipóteses avançadas pelo autor da obra[16]. O professor Mattoso avança ainda uma outra possível localização em Crestuma, devido ao facto de haver nessas latitudes um mosteiro dedicado também a Santa Marinha. No entanto um dos documentos que se refere a esse mosteiro localiza-o na Vila de Avintes. O professor José Mattoso apressa-se a desfazer o alegado equívoco apontando as duas localizações alternativas que anteriormente mencionamos e considerando errada a sua localização em Avintes conforme tinha sido assumida por diversos autores[17].
Não querendo ser mais papistas do que o Papa, não seríamos tão ligeiros com a fonte que afirma ser a localização do dito mosteiro em Avintes. No entanto visto não possuirmos nenhuma prova que o certifique estamos dispostos a negociar … A informação é pertinente e também aqui há mais do que se pode concluir à primeira vista. Partamos do pressuposto que o mosteiro não fosse de facto em Avintes, e sim numa outra localização das avançadas pelo professor Mattoso, ou até numa outra ainda não proposta. Porque é que o documento diz que era em Avintes? A esta pergunta também não podemos responder com certezas, no entanto surgem-nos vários raciocínios que pensamos não serem de todo desprovidos de lógica e bom senso.
Ø O escrevente conheceria mal a região de Vila Nova e para a sul do Douro só conhecia Avintes (quiçá era admirador da Broa).
Ø Não querendo entrar numa verdadeira teoria da conspiração, o escrevente poderia ser natural de Avintes e, como tal, procurava, através deste documento, projectar a sua terra natal e a memória dos seus antepassados
Ø Uma outra hipótese, e a nosso ver também esta bastante plausível, deve-se ao facto de Avintes ter uma dimensão territorial bastante mais ampla que a considerada hodiernamente.
5. Uma Curiosidade
Uma surpresa ...
Vejamos um documento que pode vir a aguçar alguma curiosidade.
Num trabalho que apresenta um catálogo da documentação régia contida nos “Livros de Originais” do Cabido da Sé do Porto, Ivo Carneiro de Sousa e Maria Inês Amorim[18] apontam, no 77º documento que recolheram, datado de 21 de Abril de 1459, e emitido em Lisboa uma sentença de Afonso V em que o Africano decide que Fernão Vasques de Avintes não deve obrigar os caseiros do Cabido Portuense e de alguns Mosteiros da Diocese a darem-lhe geiras e outros pagamentos. Este tipo de conflitos, entre particulares, nobres e as autoridades canonicais, é comum durante toda a Idade Média, como documentam alguns trabalhos publicados por investigadores da especialidade[19].
Não poderá haver uma relação entre D. Egidium Velasci – Egídio Vasques (lembram-se ?) e este fidalgo da Casa do Africano, Fernão Vasques ? A pergunta – por muito ingénua que possa parecer – fica feita a todos aqueles que queiram ter a ousadia de lhe dar resposta … No entanto, ao longo das leituras que empreendemos no decurso das nossas investigações, sobretudo a de Avintes na margem esquerda do Douro da Dra. Ana Filomena Leite Amaral[20], concluímos que, nas Inquirições posteriores às de Afonso III, precisamente as d`El Rei D. Dinis de 1284–88, a freguesia de sam pedro d`avyntes surge como a que foy de dom gil vaasquez[21]. Ora, tal informação, permite-nos estabelecer três ideias :
Ø Avintes está ligada à Família Vasques, pelo menos desde 1258 (a primeira referência é a D. Egídio Vasques, um homem certamente possidente e respeitado, com terras na margem vizinha do Douro, em Valbom e a segunda é a D. Gil Vasques que, em 1288 já não é senhor de Avintes). Não poderemos estar perante o mesmo indivíduo (repare-se na similitude entre Egidium e Gil) ? Não nos esqueçamos que são transcorridos apenas 30 anos sobre a primeira referência às terras que este indivíduo detém em Avintes. A questão fica em aberto.
Ø A Família Vasques poderia muito bem ter sido agraciada com o Senhorio da Vila de Avintes, já que as terras eram reguengas e, portanto, mais facilmente transmissíveis à fidalguia por banda da coroa.
Ø Com o aparecimento da figura de Fernão Vasques de Avintes, neste último documento de 1459 - e é bem possível que ele esteja relacionado com este clã – concluímos que o domínio desta família bem se poderá ter estendido até aos alvores da modernidade, já que sendo Fernão Vasques fidalgo da casa do Rei Africano, é necessário que a família tivesse tradição de serviço à Coroa (como parece ser o caso) e um conjunto de laços familiares constituído, que lhe permitisse formar uma casa nobre.
6. Uma Conclusão ??
Normalmente, quando se fala da Avintes Medieval, há uma tendência natural para associar o nome de D. Gundesindo a esta milenar villa, tal como a sua famosa Carta de Doação, onde vai agraciar Avintes com algumas importantes propriedades e domínios. Ora, nem tudo que reluz é ouro e não podemos tomar esta pequena parte do todo pela realidade ampla e significativamente mais rica da Avintes da Idade Média.
Procuramos incorporar neste trabalho, algumas fontes que, geralmente, não são muito utilizadas neste tipo de apresentações e que consideramos de uma riqueza apreciável – como as Inquirições de Afonso III, as Actas de Vereação e, mesmo, alguma historiografia medievística da especialidade (onde salientamos os textos de José Mattoso e de Humberto Baquero Moreno).
Uma comunicação como esta – que, desde o princípio, e a avaliar pelo título, talvez seja demasiado ambiciosa (mas não será a ambição o motor do progresso científico ?) – está necessariamente inacabada e carece de uma cuidada complementaridade com os demais interlocutores e cultores da história local avintense.
Por último, pretendemos demonstrar que a existência de um fecundo diálogo entre amadores locais e académicos é mais do que um sonho ou uma miragem distante, uma utopia que pode ser alcançada e, até, convertida em realidade, onde o amador local se torna um académico e vice versa.
GONÇALO MAIA MARQUES [gmaiamarques@hotmail.com]
LUÍS ALVES DOS REIS [valadares_bishop@hotmail.com]
FONTES CONSULTADAS
Portugaliae Monumenta Historica – Inquisitiones – Inquirições Gerais de D. Afonso III, Segunda Alçada, Julgado de Gondomar.
VEREAÇOENS (anos de 1390 – 95) – edição de Artur de Magalhães BASTO, Porto, Edição da Câmara Municipal e do Gabinete de História da Cidade, s/d.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
AMARAL, Ana Filomena Leite - Avintes na margem esquerda do Douro, Avintes, Edição da Junta de Freguesia, 1993.
DUARTE, Luís Miguel e Amaral, Luís Carlos – Prazos do Século e Prazos de Deus : os aforamentos na Câmara e no Cabido da Sé do Porto no último quartel do século XIV, in Revista da Faculdade de Letras (História), vol. I, II Série, Porto, Edição da Faculdade de Letras, 1984, pp. 97 – 134.
KRUS, Luís – A Escrita e o Poder : as Inquirições de Afonso III, in Estudos Medievais, nº1, Porto, Edição do Centro de Estudos Humanísticos e da Secretaria de Estado da Cultura, 1981, pp. 59 – 79.
MATTOSO, José; KRUS, Luís e BETTENCOURT, Olga – As Inquirições de 1258 como fonte para o estudo da História da Nobreza – o Julgado de Aguiar de Sousa, in Revista de História Económica e Social, Edição da Livraria Sá da Costa, nº 9, 1982, pp. 17 – 74.
MATTOSO, José – O monaquismo Ibérico e Cluny, Lisboa, Círculo de Leitores, 2002.
MORENO, Humberto Baquero – O Norte na Revolução de 1383, separata da Revista Gaya, Gaia, Edição do Gabinete de História e Arqueologia da Câmara Municipal de Gaia, volume II, 1984.
– O Julgado de Gaia e os seus homens no Reinado de D. João I, separata da Revista Gaya, Gaia, Edição do Gabinete de História e Arqueologia da Câmara Municipal de Gaia, volume II, 1984.
SAMPAIO, Francisco – Oração de Sapiência, in A Broa de Avintes : o prestígio através dos tempos, Avintes, Edição da Confraria da Broa de Avintes, 2003, pp. 7 – 15.
SOUSA, Ivo Carneiro de e AMORIM, Maria Inês – Inventário de Documentação Régia nos Livros de Orihginais do Cartório do Cabido da Sé do Porto, Porto, Edição do Arquivo Distrital, 1981.
[1] Estudantes do curso de História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (3º Ano)
[2] MATTOSO, José; KRUS, Luís e BETTENCOURT, Olga – As Inquirições de 1258 como fonte para o estudo da História da Nobreza – o Julgado de Aguiar de Sousa, in Revista de História Económica e Social, Edição da Livraria Sá da Costa, nº 9, 1982, pp. 17 – 74.
[3] cf. Idem Ibidem, p. 22.
[4] cf. KRUS, Luís – A Escrita e o Poder : as Inquirições de Afonso III, in Estudos Medievais, nº1, Porto, Edição do Centro de Estudos Humanísticos e da Secretaria de Estado da Cultura, 1981, pp. 59 – 79.
[5] cf. Idem Ibidem, pp. 63 – 64.
[6] SAMPAIO, Francisco – Oração de Sapiência, in A Broa de Avintes : o prestígio através dos tempos, Avintes, Edição da Confraria da Broa de Avintes, 2003, pp. 7 – 15.
[7] Decreto de Afonso III de 15 de Fevereiro de 1282, citado por SAMPAIO, Francisco – Op. Cit, p. 8.
[8] VEREAÇOENS (anos de 1390 – 95), pp. 55 – 56.
[9] refira-se, por curiosidade, que nas Inquirições Dionisinas (1284–88), a paróquia de “Sam Pedro dAvintes” surge incluída no Julgado de Gaia. A explicação pode estar relacionada com dois aspectos – ou os fiscais de Afonso III se equivocaram na inclusão de Avintes nas terras de Gondomar, ou a vila transitou das mãos de um para outro julgado, no Reinado de D. Dinis. A mudança pode ter sido operada por motivos de natureza fiscal e de centralização administrativa.
[10] VEREAÇOENS (anos de 1390 – 95), p. 181.
[11] MORENO, Humberto Baquero – O Norte na Revolução de 1383, separata da Revista Gaya, Gaia, Edição do Gabinete de História e Arqueologia da Câmara Municipal de Gaia, volume II, 1984, pp. 13.
[12] MORENO, Humberto Baquero – O Julgado de Gaia e os seus homens no Reinado de D. João I, separata da Revista Gaya, Gaia, Edição do Gabinete de História e Arqueologia da Câmara Municipal de Gaia, volume II, 1984, pp. 161.
[13] Idem Ibidem, p. 13.
[14] Idem Ibidem, p. 14.
[15] MATTOSO, José – O monaquismo Ibérico e Cluny, Lisboa, Círculo de Leitores, 2002, pp. 53 – 54.
[16] Idem Ibidem, p. 53.
[17] Idem Ibidem, p. 54.
[18] SOUSA, Ivo Carneiro de e AMORIM, Maria Inês – Inventário de Documentação Régia nos Livros de Orihginais do Cartório do Cabido da Sé do Porto, Porto, Edição do Arquivo Distrital, 1981,p. 22.
[19] Veja-se o trabalho de Luís Miguel DUARTE e Luís Carlos Amaral – Prazos do Século e Prazos de Deus : os aforamentos na Câmara e no Cabido da Sé do Porto no último quartel do século XIV, in Revista da Faculdade de Letras (História), vol. I, II Série, Porto, Edição da Faculdade de Letras, 1984, pp. 97 – 134.
[20] AMARAL, Ana Filomena Leite - Avintes na margem esquerda do Douro, Avintes, Edição da Junta de Freguesia, 1993, pp. 32–33.
[21] Corpus Codicum Latinorum et Portugalensium, Biblioteca Pública Municipal do Porto, colecção 0, 11 – 58 (citado por AMARAL, Ana Filomena Leite – Op. Cit, p. 33).
GONÇALO MAIA MARQUES e LUÍS ALVES DOS REIS[1]
É para esta assembleia repleta de avintenses ilustres, filhos desta pequena pátria milenar e das suas gentes, que dirigimos as nossas primeiras palavras – de amizade e consideração, por um lado, e de humildade e recolhimento, por outro, pelas eventuais imprecisões toponímicas ou de outra ordem, que possam surgir no decurso da apresentação desta comunicação, naturais daqueles que, mau grado o gosto que alimentam por estes caminhos e pelo cheiro desta terra, não a conhecem na plenitude das suas faculdades.
O nosso objectivo é levar a todos aqueles que nos escutam alguns elementos culturais e sociais que caracterizavam a vida quotidiana da Avintes Medieval e, a partir destes elementos, tentar traçar um quadro aproximado do aspecto que a vila teria há cerca de mil anos atrás. Para isso, procuramos socorrer-nos de algumas fontes produzidas na época medieval, como por exemplo, as Inquirições Gerais de Afonso III, de 1258; as Vereações Municipais Portuenses de 1390-95 (o mais antigo Livro até agora descoberto) ou a documentação monástica e diocesana.
1. As Inquirições Gerais de Afonso III de 1258
As Inquirições Gerais de 1258, organizadas e publicadas no Reinado de D. Afonso III, são hoje um dos instrumentos mais preciosos ao trabalho dos medievistas portugueses, não só pela sua extraordinária riqueza patrimonial e documental, como também pelas inestimáveis referências que nos fornecem quanto à organização da propriedade, ao pagamento das rendas, ao perfil social dos caseiros e dos rendeiros, às idiossincrasias da povoação inquirida e, em última instância, à radiografia que o inquiridor vai traçando daquilo que lhe cumpre registar e fazer chegar ao monarca.
Relativamente à primeira fonte que foi objecto da nossa atenção (as Inquirições Gerais de Afonso III, de 1258) decidimos estabelecer, primeiramente, um levantamento das fórmulas usadas pelos inquiridores, para tentar retirar daquele inquérito concretizado a pedido do monarca o máximo de informação possível. Depois de consultado um trabalho da Revista de História Económica e Social relacionado com o estudo destas Inquirições Gerais como fonte para a investigação no domínio da História da Nobreza[2], concluímos, com os autores do trabalho, tratar-se do seguinte esquema:
1. Inquirição relativa à propriedade eclesiástica e direitos de padroado
- “cuja est ipsa ecclesia/monasterium” (a quem pertence esta Igreja / Mosteiro ?)
- “quis dedit ei ipsam ecclesiam vel quis presentavit eam” (como foi adquirida ?)
- “si Dominus Rex habet ibi aliquod jus vel debet habere” (quais os rendimentos devidos ao Monarca ?)
2. Levantamento da restante propriedade
- “unde habuit iilud/ea (casal/casalia) vel quomodo acquisierunt illud/ea” (onde se situam os casais e qual o modo como foram adquiridos)
- “in quo tempore comparavit illud/ea” (quando foram adquiridos ?)
- “si habet Dominus Rex aliquod Realengum”[3] (há algum realengo?)
Este conjunto de perguntas, sabiamente formuladas pelos inquiridores com o intuito de por cobro a alguns desmandos da aristocracia e do clero que, como sabemos, angariavam enormes domínios fundiários pela acumulação de mercês régias e de doações, constituindo, assim, um poderoso inimigo da centralização da máquina administrativa que o Bolonhês pretendia implementar, visavam determinar, em primeiro lugar, qual a propriedade reguenga existente no lugar – já que o monarca era, ainda na época, um senhor entre muitos outros e um terratenente – e, num segundo momento, qual a restante propriedade privilegiada (pertencente ao Clero, Ordens Religioso – Militares ou à Nobreza). Note-se que, desde o Reinado de Afonso II que a Coroa vinha publicando Leis de Desamortização sobre o Património Eclesiástico e Nobre, como forma de proteger os interesses monárquicos e de travar o perigo corporizado pela manta de retalhos do Portugal senhorial.
Em seguida, uma breve nota sobre o casal. Trata-se de uma pequena ou média propriedade agrária, normalmente ligada a uma Instituição com grande peso social (Diocese, Mosteiro, Nobreza ou Coroa) que dela colhe os seus rendimentos por via directa (por usufruto do próprio trabalho) ou indirecta (recrutando mão de obra alheia à instituição e angariada em estratos que lhe eram hierarquicamente inferiores) e característica, sobretudo, do trabalho minifundiário decorrente de uma agricultura de subsistência, muito praticada na época medieval.
Cumprido que está este primeiro passo, que se revestiu de duas facetas essenciais – a compreensão da engrenagem do texto da fonte e a sua articulação com as nossas investigações – torna-se necessário, como sabiamente diz o povo, chamar Avintes ao barulho e perceber como esta vila foi retratada e analisada na Inquirição que lhe foi feita.
De facto, a região em que nos encontramos estava integrada no Julgado de Gondomar e, como afirma Luís Krus[4] “duas freguesias situavam-se em parte, na margem sul do douro – Lebrinho e Avintes; os inquiridores não atravessam o rio quia isti homines morabuntur ultra Durium, “non moranbutur in termino nostre inquisitionis”[5]. Apesar do sentimento de pertença ao espaço que hoje classificamos de Julgado de Gondomar não ser, na época, uma realidade, a população sabia que o propósito da inquirição seria apurar, antes de mais, as fontes de rendimentos detidas pelo Senhor Rei (Dominus Rex) na vila.
Ora sabemos que Avintes fazia parte, em 1258, dos domínios directamente controlados pelo Rei, ou seja, era um realengo ou reguengo. Ao contrário do que se poderia pensar, este elemento não abona muito em favor de uma grande quantidade de informação directa, no entanto, propomo-nos compartilhar a informação aí contida e se possível enriquecê-la com outros trabalhos e com o sempre indispensável conhecimento do terreno.
A primeira informação que nos é transmitida pela fonte é o nome da pessoa que é inquirida: Johannes Sbjerii. Seria, muito provavelmente, o pároco da vila. Infelizmente, nada mais se sabe acerca desta personagem além do nome. Com efeito, desconhece-se a sua origem, a sua ordem sacerdotal, e a duração do seu serviço em prol da comunidade, bem como a obra que deixou.
Algo que sabemos de muito concreto é o montante das rendas que eram entregues anualmente ao monarca, não fosse o propósito da Inquirição, antes de mais, a avaliação dos rendimentos detidos pela coroa no território avintense.
Não é de estranhar que o primeiro género a ser mencionado seja o pão.
Como muito bem sublinhou o Dr. Francisco Sampaio num trabalho recentemente publicado pela Confraria da Broa de Avintes[6], este produto – que é, ao mesmo tempo, um ícone avintense – é já conhecido e apreciado pelos nossos antepassados medievais, a ponto de ser alvo de uma importante nota no Foral concedido por Afonso III a Gaia. Diz o decreto que “defendemos firmemente sob pena de desuso que nenhuma nova portagem não imponha às padeiras da cidade do Porto, nem às outras mulheres de trigo ou outro grão que em Terras de Santa Maria comprarem e com ele a cidade quiserem passar - prontamente ordenamos e mandamos que se essas padeiras de Gaia quiserem vender seu pão na cidade, ou as padeiras da cidade em Gaia, os almotacés daquele lugar não se oponham [...] Por outra maneira não sejam constrangidos os d´Avintes de aportarem nos lugares onde lhes aprouver (15 de Fevereiro de 1282 – El Rei)”[7]. Mais tarde, o filho do Bolonhês, D. Dinis, publicará um conjunto de directivas em que se estabelece que, doravante, a cozedura de pão de milho deverá ser feita em Avintes e Valongo, substituindo o Porto, por riscos elevados de incêndio no burgo intra muros.
Podemos afirmar que numa altura em que o país procurava a consolidação territorial, na sequência das campanhas da Reconquista, já a região de Avintes era produtora de pão em quantidades suficientes para prover ao sustento da sua população e muito provavelmente para comercializar. Quem ainda não consultou a fonte, interrogar-se-á qual a quantidade de pão que era entregue sob a forma de renda. Nada mais, nada menos que sete moios ou medidas. Estas medidas estariam, no entanto, longe de ser comuns a todo o reino, pois a fonte apressa-se a especificar-nos que essas medidas teriam em conta a medida que se designava de palaciana, o que nos poderá remeter para o centro da intriga política – o paço real. Não nos esqueçamos que, desde Afonso II, a coroa procurava instalar na cúria régia a plenitude do poder político, num esforço concertado de centralização, que seria prosseguido por Sancho II mas, sobretudo, por Afonso III. Não é preciso muito estudo ou poder de imaginação para concluirmos que estaríamos perante a maior medida aplicada ao pão. Nas entrelinhas podemos deduzir que, de facto, a região em questão seria rica em grão.
De seguida temos o segundo género, o vinho. Os nossos conhecimentos são diminutos quanto ao seu enquadramento no burgo avintense, sabemos, porém, que o peso acumulado por este produto no comércio externo da cidade do Porto era já nesta época relevante, sobretudo com a região do Garonne, e poderemos, assim, avançar a possibilidade de ser o realengo de Avintes um dos fornecedores da cidade, perante a existência de vinhas documentáveis nas Inquirições. Quem cruzava o Douro numa pequena embarcação a remos para levar pão, podia também levar uma barrica ou pipa de vinho. A fonte fala-nos que eram entregues ao Rei sete quartas de vinho. Mais à frente, a palavra quartas surge entre parêntesis com o termo sic, sinal que quem transcreveu o documento original desconhecia esta medida. Ficamos assim sem saber a quantos litros corresponderiam essas quartas. Só uma leitura de outras referências nos possibilitará, por comparação, deduzir a dimensão relativa desta renda.
Finalmente, o realengo rendia ainda ao soberano um último género alimentício. Neste caso seriam capões, num número total de sete. Mais uma vez, só uma comparação com outras realidades nos permite concluir se esta quantidade era significativa de grande produção avícola na região. No entanto, o facto de ser pago em capões leva-nos também a concluir que seria prática corrente enviar os frangos mais magros como pagamento de rendas. O capão será sempre um galo grande e como tal uma exigência que demonstra que se pretendia do realengo o melhor que este tinha para dar.
As Inquirições dão-nos ainda outras informações, que podem revelar-se de muito interesse para futuros estudos.
Em primeiro lugar, ficamos a saber que existe um indivíduo, que dá pelo nome de D. Egidium Velasci (Egídio Vasques, actualizando), que compra terrenos anexos ao reguengo. A pergunta impõe-se: Quem é D. Egidium ? Qual a razão do seu investimento em Avintes? O único dado descoberto que pode ser útil para um aprofundar do tema é o facto de D. Egidium possuir leiras e “quebrantis” em Valbom, sendo que paga todos os anos nove dinheiros de impostos régios. Uma leitura casual desta informação não revelará tudo o que nela se encobre… Primeiramente, devemos notar que D. Egidium possui terras dos dois lados do Douro, a nosso ver uma prova que os portugueses medievos não eram tão avessos à ideia de viagem como nos querem fazer crer.
Uma segunda leitura mostra-nos que nem só de géneros vivia o monarca. Não devia ser muita a moeda que circulava entre o comum dos mortais… mas é este o meio através do qual D. Egidium paga a sua contribuição fiscal, sinal de que tinha provavelmente trato com esta forma de pagamento e um estatuto social que lhe conferia um rendimento já aceitável. Aqui se abre uma série de perguntas, um das quais a compreensão do valor facial da moeda e da sua relação com o poder económico da população - o que representaria, nos nossos dias, nove dinheiros? Que tipo de encargo era este que, para D. Egidium, seria demasiado oneroso ou, por outro lado, era algo que não o afectava consideravelmente? Como podemos facilmente constatar são muito mais as questões do que as respostas, esperamos num futuro breve poder inverter esta tendência e compartilhar os resultados dos nossos trabalhos convosco.
A fonte revela-nos ainda o nome de mais três avintenses, Petrus Subjerii (Pedro), Menendus Ribeirus (Mendo Ribeiro) e Pelagius Petri (Paio Pedro). Estas são as três testemunhas que juram que a informação prestada pelo inquirido é verdadeira. Uma vez mais abrem-se portas para a investigação e aqui então o desequilíbrio entre as perguntas e as respostas é ainda maior. Não sabemos rigorosamente nada acerca destes homens, podendo unicamente opinar que não devemos excluir a possibilidade de haver uma grau de parentesco entre o inquirido e a primeira testemunha, uma vez que partilha do mesmo apelido. No entanto, mais à frente, voltaremos a este assunto, para vos dar conta de algumas possíveis leituras que se foram cruzando connosco no decorrer das nossas investigações.
2. As Vereações Portuenses de 1390-95
As referências à Vila de Avintes contidas no mais antigo Livro de Vereações do município Portuense, estão relacionadas com duas actas – concretamente, as nos 26 e 84.
No que se refere ao primeiro documento, datado de 4 de Março de 1390, onde se encontra transcrita uma fonte preciosa para o estudo, não só do burgo avintense medieval, como de toda a Terra de Gaia, a Carta do Privilégio de Gaia, que será confirmada pelo Rei D. Dinis, somos confrontados com uma referência ao comércio de peixe no Douro e à sua regulamentação – “e outrossy regateiro nom saya ao camjnho pera comprar as vendas que veerem nem enbragalas ataa que uaam ao açougue ou a feira hu quiserem hir saluo que as regateiras de gaya e de vila nova comprem unde quiserem comprar e outro sy que os moradores da alheira e da vyntes uaam per qual das ditas vilas quiserem […]”[8]. Trata-se de um texto precioso, que nos permite tirar algumas ilações. Senão vejamos:
Em primeiro lugar, dá para perceber que o peixe desempenhava, juntamente com o pão, a base da dieta dos avintenses, que pelas suas condições geográficas e morfológicas, tinham acesso a cada um destes bens em quantidades apreciáveis.
Em segundo lugar, os privilégios concedidos às regateiras de Avintes, atestam a sua importância no quadro regional e, mormente, no contexto da urbe portuense. Estas mulheres vendiam o produto da sua faina nas feiras do Porto e granjearam, até, algum prestígio junto dos restantes ofícios tradicionais da cidade.
Por último, o documento emitido pela chancelaria dionisina dá-nos conta de uma preocupação muito grande da coroa na prossecução da ordem jurídica do Julgado de Gaia e dos seus juízes e funcionários, o que interessa de sobremaneira aos avintenses medievais, já que a aplicação da justiça e a cobrança de alguns impostos está dependente das autoridades locais gaienses, numa época em que Avintes já teria passado da alçada do Julgado de Gondomar – em 1258, como se lembram – para a jurisdição de Gaia[9].
Outra das leituras que podemos fazer neste momento e perante um público que conta com alguns dos mais insignes membros da Confraria da Broa de Avintes é a de que o pão era já, para os avintenses, um sinal da sua própria matriz cultural, da sua identidade. Não seria de estranhar que já nesta época a deliciosa broa de Avintes fosse acompanhada da suculenta sardinha (ou mesmo de outro peixe) pescada nas imediações da Foz do Douro, já em pleno mar, ou trazida ao Porto por mercadores galegos, que por aqui passavam abundantemente como as Vereações atestam.
Relativamente à acta nº 84, datada de 12 de Março de 1393, onde a vereação discute a sempre problemática questão do abastecimento de bens de primeira necessidade à cidade, diz-se que “huma das cousas per que a dita çidade vynham os mantimentos de ffora parte sse era per rrazom dos pescados que dhy leuauam e por quanto a elles era dito que os bargeiros davyntes e ual boom e de canpanhaa e de guimaraes vendiam os savees lanpreas a mujtos rregatoens e rrecoueiros de fora da dita çidade”[10].
De facto, quer Avintes, quer as restantes vilas que se encontram na margem Sul do Rio Douro eram grandes consumidoras de pescado e o destino do seu trabalho e da sua faina era o grande mercado vizinho da época : o burgo medieval portuense.
3. Avintes perante a Revolução de 1383 - 85
Sendo um dos mais importantes conflitos da Idade Média Portuguesa e tendo afectado a maior parte do país, a Revolução de 1383 – 85, cuja raiz é o casamento de Dona Beatriz com João I de Castela, na sequência da assinatura do Tratado de Salvaterra de Magos entre as coroas portuguesa e castelhana, fez sentir a sua marca também na região avintense.
Segundo afirma o Professor Humberto Baquero Moreno, “a cidade, contudo, que desempenhou um papel fulcral e fundamental no apoio ao Mestre de Avis foi o Porto. Sem o seu concurso dificilmente D. João poderia dispor de forças que lhe permitissem desencadear acções militares sobre redutos apoiantes de Dona Beatriz. Mas a participação do Porto tem de ser encarada num todo de que fazem parte as áreas limítrofes de Monchique, Cedofeita, Massarelos, Vila Nova, São João da Foz, Matosinhos, Leça, Azurara, Gaia Maior, Gaia Pequena, Coimbrões, Lavadores, Mafamude e Maceira, cujas populações numa acção conjunta constituíram um baluarte de resistência ao monarca castelhano[11]”. Mais ainda – “não havendo a menor dúvida que os gaienses tomaram voz pelo Mestre de Avis, sem a mínima hesitação, face até à causa, teremos no entanto de observar que nem sempre se verificou uma consonância no seio das localidades. A circunstância de muitas delas, sobretudo na região do norte, haverem proclamado a sua adesão a João I de Castela, resultou fundamentalmente da aderência da Nobreza ao compromisso de Salvaterra de Magos”[12].
Ainda que não esteja documentada a presença de avintenses nas hostes do partido de Avis ou do partido castelhano, é possível que, pela proximidade do burgo portuense, a arraia miúda avintense manifestasse a sua simpatia pela causa do Mestre. Por outro lado, os grandes senhores – e Avintes foi, durante toda a Idade Média, um domínio senhorial (primeiro do Monarca e depois da Nobreza) – receando a perda dos seus privilégios perante a rebelião popular, teriam apoiado o partido de Dona Beatriz e de João I de Castela. O cenário, apesar da escassez de testemunhos directos, não seria muito diferente daquele que agora reconstituímos.
Importa registar que, após o apoio dado pelos vizinhos do Porto e pela burguesia duriense ao Mestre de Avis na sua investidura como Regedor e Defensor do Reino, o Arcebispo de Braga, que suportava o partido de Dona Beatriz, planeia tomar a cidade do porto, em Maio de 1384, em resposta ao triunfo da frota portuense no combate do Cerco de Lisboa[13]. Perante esta ameaça é certo o apoio dado pelos habitantes da margem vizinha do Douro, onde se contavam os habitantes de Avintes. Para além deste episódio de natureza militar, convém dizer nesta apresentação que, logo que foi aclamado Rei de Portugal pelas Cortes de Coimbra, em 1385, D. João I parte para o Porto, onde agradece o apoio que lhe fora prestado no decorrer da Guerra com Castela, tendo permanecido em terras gaienses – note-se que o Alcaide de Gaia, Aires Gonçalves de Figueiredo, é um dos comandantes da defesa desta vasta região contra as tropas do Arcebispo de Braga. Chega a Gaia em 24 de Abril de 1385 “procedendo de imediato à travessia do Douro[14]”. É bem possível que um dos pontos utilizado pelo novo monarca e pelos seus homens para o embarque da comitiva régia fosse o famoso embarcadouro da Praia do Areinho de Avintes – não só pela sua posição geográfica e pelas acessibilidades que proporcionava, como também pela relativa proximidade das docas portuenses.
4. Avintes e a Historiografia Medievística Portuguesa
A ideia original desta apresentação prendia-se, acima de tudo, com a análise das Inquirições de 1258, mas ao entrarmos em contacto com outras fontes e informações fomos alargando o âmbito da mesma, tornando-a assim num percurso medieval por Avintes. Como tiveram oportunidade de observar, também as Actas de Vereação do Porto mereceram a nossa atenção. Quando pensávamos ter já a totalidade da nossa apresentação pronta, surgiu-nos uma outra informação a qual pensamos que se enquadra perfeitamente no nosso percurso medievo avintense.
Entre a vasta obra de um dos maiores medievistas portugueses de sempre, encontramos O monaquismo Ibérico e Cluny. Referimo-nos, obviamente, a José Mattoso. Nesta obra surge uma referência a um mosteiro em Vila Nova, no século X, que se trata do Mosteiro de Santa Marinha[15]. Dito desta forma, rapidamente nos apressaríamos a colocar o mosteiro junto ao Rio Douro, na freguesia de Santa Marinha, cerca de Mafamude. Esta é, sem embargo, uma das hipóteses avançadas pelo autor da obra[16]. O professor Mattoso avança ainda uma outra possível localização em Crestuma, devido ao facto de haver nessas latitudes um mosteiro dedicado também a Santa Marinha. No entanto um dos documentos que se refere a esse mosteiro localiza-o na Vila de Avintes. O professor José Mattoso apressa-se a desfazer o alegado equívoco apontando as duas localizações alternativas que anteriormente mencionamos e considerando errada a sua localização em Avintes conforme tinha sido assumida por diversos autores[17].
Não querendo ser mais papistas do que o Papa, não seríamos tão ligeiros com a fonte que afirma ser a localização do dito mosteiro em Avintes. No entanto visto não possuirmos nenhuma prova que o certifique estamos dispostos a negociar … A informação é pertinente e também aqui há mais do que se pode concluir à primeira vista. Partamos do pressuposto que o mosteiro não fosse de facto em Avintes, e sim numa outra localização das avançadas pelo professor Mattoso, ou até numa outra ainda não proposta. Porque é que o documento diz que era em Avintes? A esta pergunta também não podemos responder com certezas, no entanto surgem-nos vários raciocínios que pensamos não serem de todo desprovidos de lógica e bom senso.
Ø O escrevente conheceria mal a região de Vila Nova e para a sul do Douro só conhecia Avintes (quiçá era admirador da Broa).
Ø Não querendo entrar numa verdadeira teoria da conspiração, o escrevente poderia ser natural de Avintes e, como tal, procurava, através deste documento, projectar a sua terra natal e a memória dos seus antepassados
Ø Uma outra hipótese, e a nosso ver também esta bastante plausível, deve-se ao facto de Avintes ter uma dimensão territorial bastante mais ampla que a considerada hodiernamente.
5. Uma Curiosidade
Uma surpresa ...
Vejamos um documento que pode vir a aguçar alguma curiosidade.
Num trabalho que apresenta um catálogo da documentação régia contida nos “Livros de Originais” do Cabido da Sé do Porto, Ivo Carneiro de Sousa e Maria Inês Amorim[18] apontam, no 77º documento que recolheram, datado de 21 de Abril de 1459, e emitido em Lisboa uma sentença de Afonso V em que o Africano decide que Fernão Vasques de Avintes não deve obrigar os caseiros do Cabido Portuense e de alguns Mosteiros da Diocese a darem-lhe geiras e outros pagamentos. Este tipo de conflitos, entre particulares, nobres e as autoridades canonicais, é comum durante toda a Idade Média, como documentam alguns trabalhos publicados por investigadores da especialidade[19].
Não poderá haver uma relação entre D. Egidium Velasci – Egídio Vasques (lembram-se ?) e este fidalgo da Casa do Africano, Fernão Vasques ? A pergunta – por muito ingénua que possa parecer – fica feita a todos aqueles que queiram ter a ousadia de lhe dar resposta … No entanto, ao longo das leituras que empreendemos no decurso das nossas investigações, sobretudo a de Avintes na margem esquerda do Douro da Dra. Ana Filomena Leite Amaral[20], concluímos que, nas Inquirições posteriores às de Afonso III, precisamente as d`El Rei D. Dinis de 1284–88, a freguesia de sam pedro d`avyntes surge como a que foy de dom gil vaasquez[21]. Ora, tal informação, permite-nos estabelecer três ideias :
Ø Avintes está ligada à Família Vasques, pelo menos desde 1258 (a primeira referência é a D. Egídio Vasques, um homem certamente possidente e respeitado, com terras na margem vizinha do Douro, em Valbom e a segunda é a D. Gil Vasques que, em 1288 já não é senhor de Avintes). Não poderemos estar perante o mesmo indivíduo (repare-se na similitude entre Egidium e Gil) ? Não nos esqueçamos que são transcorridos apenas 30 anos sobre a primeira referência às terras que este indivíduo detém em Avintes. A questão fica em aberto.
Ø A Família Vasques poderia muito bem ter sido agraciada com o Senhorio da Vila de Avintes, já que as terras eram reguengas e, portanto, mais facilmente transmissíveis à fidalguia por banda da coroa.
Ø Com o aparecimento da figura de Fernão Vasques de Avintes, neste último documento de 1459 - e é bem possível que ele esteja relacionado com este clã – concluímos que o domínio desta família bem se poderá ter estendido até aos alvores da modernidade, já que sendo Fernão Vasques fidalgo da casa do Rei Africano, é necessário que a família tivesse tradição de serviço à Coroa (como parece ser o caso) e um conjunto de laços familiares constituído, que lhe permitisse formar uma casa nobre.
6. Uma Conclusão ??
Normalmente, quando se fala da Avintes Medieval, há uma tendência natural para associar o nome de D. Gundesindo a esta milenar villa, tal como a sua famosa Carta de Doação, onde vai agraciar Avintes com algumas importantes propriedades e domínios. Ora, nem tudo que reluz é ouro e não podemos tomar esta pequena parte do todo pela realidade ampla e significativamente mais rica da Avintes da Idade Média.
Procuramos incorporar neste trabalho, algumas fontes que, geralmente, não são muito utilizadas neste tipo de apresentações e que consideramos de uma riqueza apreciável – como as Inquirições de Afonso III, as Actas de Vereação e, mesmo, alguma historiografia medievística da especialidade (onde salientamos os textos de José Mattoso e de Humberto Baquero Moreno).
Uma comunicação como esta – que, desde o princípio, e a avaliar pelo título, talvez seja demasiado ambiciosa (mas não será a ambição o motor do progresso científico ?) – está necessariamente inacabada e carece de uma cuidada complementaridade com os demais interlocutores e cultores da história local avintense.
Por último, pretendemos demonstrar que a existência de um fecundo diálogo entre amadores locais e académicos é mais do que um sonho ou uma miragem distante, uma utopia que pode ser alcançada e, até, convertida em realidade, onde o amador local se torna um académico e vice versa.
GONÇALO MAIA MARQUES [gmaiamarques@hotmail.com]
LUÍS ALVES DOS REIS [valadares_bishop@hotmail.com]
FONTES CONSULTADAS
Portugaliae Monumenta Historica – Inquisitiones – Inquirições Gerais de D. Afonso III, Segunda Alçada, Julgado de Gondomar.
VEREAÇOENS (anos de 1390 – 95) – edição de Artur de Magalhães BASTO, Porto, Edição da Câmara Municipal e do Gabinete de História da Cidade, s/d.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
AMARAL, Ana Filomena Leite - Avintes na margem esquerda do Douro, Avintes, Edição da Junta de Freguesia, 1993.
DUARTE, Luís Miguel e Amaral, Luís Carlos – Prazos do Século e Prazos de Deus : os aforamentos na Câmara e no Cabido da Sé do Porto no último quartel do século XIV, in Revista da Faculdade de Letras (História), vol. I, II Série, Porto, Edição da Faculdade de Letras, 1984, pp. 97 – 134.
KRUS, Luís – A Escrita e o Poder : as Inquirições de Afonso III, in Estudos Medievais, nº1, Porto, Edição do Centro de Estudos Humanísticos e da Secretaria de Estado da Cultura, 1981, pp. 59 – 79.
MATTOSO, José; KRUS, Luís e BETTENCOURT, Olga – As Inquirições de 1258 como fonte para o estudo da História da Nobreza – o Julgado de Aguiar de Sousa, in Revista de História Económica e Social, Edição da Livraria Sá da Costa, nº 9, 1982, pp. 17 – 74.
MATTOSO, José – O monaquismo Ibérico e Cluny, Lisboa, Círculo de Leitores, 2002.
MORENO, Humberto Baquero – O Norte na Revolução de 1383, separata da Revista Gaya, Gaia, Edição do Gabinete de História e Arqueologia da Câmara Municipal de Gaia, volume II, 1984.
– O Julgado de Gaia e os seus homens no Reinado de D. João I, separata da Revista Gaya, Gaia, Edição do Gabinete de História e Arqueologia da Câmara Municipal de Gaia, volume II, 1984.
SAMPAIO, Francisco – Oração de Sapiência, in A Broa de Avintes : o prestígio através dos tempos, Avintes, Edição da Confraria da Broa de Avintes, 2003, pp. 7 – 15.
SOUSA, Ivo Carneiro de e AMORIM, Maria Inês – Inventário de Documentação Régia nos Livros de Orihginais do Cartório do Cabido da Sé do Porto, Porto, Edição do Arquivo Distrital, 1981.
[1] Estudantes do curso de História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (3º Ano)
[2] MATTOSO, José; KRUS, Luís e BETTENCOURT, Olga – As Inquirições de 1258 como fonte para o estudo da História da Nobreza – o Julgado de Aguiar de Sousa, in Revista de História Económica e Social, Edição da Livraria Sá da Costa, nº 9, 1982, pp. 17 – 74.
[3] cf. Idem Ibidem, p. 22.
[4] cf. KRUS, Luís – A Escrita e o Poder : as Inquirições de Afonso III, in Estudos Medievais, nº1, Porto, Edição do Centro de Estudos Humanísticos e da Secretaria de Estado da Cultura, 1981, pp. 59 – 79.
[5] cf. Idem Ibidem, pp. 63 – 64.
[6] SAMPAIO, Francisco – Oração de Sapiência, in A Broa de Avintes : o prestígio através dos tempos, Avintes, Edição da Confraria da Broa de Avintes, 2003, pp. 7 – 15.
[7] Decreto de Afonso III de 15 de Fevereiro de 1282, citado por SAMPAIO, Francisco – Op. Cit, p. 8.
[8] VEREAÇOENS (anos de 1390 – 95), pp. 55 – 56.
[9] refira-se, por curiosidade, que nas Inquirições Dionisinas (1284–88), a paróquia de “Sam Pedro dAvintes” surge incluída no Julgado de Gaia. A explicação pode estar relacionada com dois aspectos – ou os fiscais de Afonso III se equivocaram na inclusão de Avintes nas terras de Gondomar, ou a vila transitou das mãos de um para outro julgado, no Reinado de D. Dinis. A mudança pode ter sido operada por motivos de natureza fiscal e de centralização administrativa.
[10] VEREAÇOENS (anos de 1390 – 95), p. 181.
[11] MORENO, Humberto Baquero – O Norte na Revolução de 1383, separata da Revista Gaya, Gaia, Edição do Gabinete de História e Arqueologia da Câmara Municipal de Gaia, volume II, 1984, pp. 13.
[12] MORENO, Humberto Baquero – O Julgado de Gaia e os seus homens no Reinado de D. João I, separata da Revista Gaya, Gaia, Edição do Gabinete de História e Arqueologia da Câmara Municipal de Gaia, volume II, 1984, pp. 161.
[13] Idem Ibidem, p. 13.
[14] Idem Ibidem, p. 14.
[15] MATTOSO, José – O monaquismo Ibérico e Cluny, Lisboa, Círculo de Leitores, 2002, pp. 53 – 54.
[16] Idem Ibidem, p. 53.
[17] Idem Ibidem, p. 54.
[18] SOUSA, Ivo Carneiro de e AMORIM, Maria Inês – Inventário de Documentação Régia nos Livros de Orihginais do Cartório do Cabido da Sé do Porto, Porto, Edição do Arquivo Distrital, 1981,p. 22.
[19] Veja-se o trabalho de Luís Miguel DUARTE e Luís Carlos Amaral – Prazos do Século e Prazos de Deus : os aforamentos na Câmara e no Cabido da Sé do Porto no último quartel do século XIV, in Revista da Faculdade de Letras (História), vol. I, II Série, Porto, Edição da Faculdade de Letras, 1984, pp. 97 – 134.
[20] AMARAL, Ana Filomena Leite - Avintes na margem esquerda do Douro, Avintes, Edição da Junta de Freguesia, 1993, pp. 32–33.
[21] Corpus Codicum Latinorum et Portugalensium, Biblioteca Pública Municipal do Porto, colecção 0, 11 – 58 (citado por AMARAL, Ana Filomena Leite – Op. Cit, p. 33).
segunda-feira, março 14, 2005
O Concílio de Trento e as Visitações de Gulpilhares
O Concílio de Trento e as Visitações de Gulpilhares
Introdução
Esta secção que aqui inicio pouco mais pretende ser do que uma breve explicação do contexto em que surgiu este trabalho.
A cadeira de Cultura na Época Moderna abrange cronologicamente o período que mais contribuiu para a herança cultural que chegou até aos nossos dias no ocidente europeu. Desde muito cedo, as questões das diferentes interpretações da mensagem de Cristo, ganharam um espaço e uma dimensão inegáveis no seio da crescente comunidade cristã. Não é de estranhar que as primeiras “heresias” surjam logo após a morte do Mestre, sendo que as suas implicações e repressões se vão agravando com o avançar da institucionalização do culto. O período medieval é assim um “campo de treinos” para os conflitos que se adivinhavam. De facto é em plena época medieval que a igreja afirma de vez a sua pretensão ao domínio espiritual e político do espaço que abraçou a confissão cristã. Se por um lado houveram monarcas que abraçaram de bom grado esta dependência em relação ao divino através dos agentes eclesiásticos, chegando inclusive a tornarem-se taumaturgos, outros houve que desde cedo demonstraram que deveria haver uma separação das duas realidades.
Será assim que, o ambiente do Humanismo, como o nome o indica se voltava essencialmente para o Homem, possibilitou que vários pensadores equacionem qual o papel que o líder espiritual deve ter na vida “secular” dos povos cristãos.
É neste cenário que surgem Lutero e os restantes reformadores. Não querendo iniciar já uma questão que creio estar longe de estar resolvida, que diz respeito à atitude de Roma após o movimento da Reforma Protestante, é no entanto posterior a esta, o Concílio de Trento. Uns denominaram este período como a Contra-Reforma outros como Reforma Católica, neste momento o que proponho defender é que desde cedo estas questões levantaram em mim muitas perguntas.
Quis o destino que eu fosse “natural” da freguesia de Gulpilhares, a qual é uma das poucas no concelho de Gaia de que se conhece o Livro das Visitações. Esta fonte está inclusive publicada, tornando-a assim de fácil consulta. Entre as muitas questões que tinha e tenho acerca do período das reformas, algumas creio poder responder, se não na totalidade pelo menos em parte, através do estudo da fonte em questão.
Perguntas como, qual a real aplicação das normas de Trento num espaço periférico, qual a receptividade da população, a mensagem de Trento e da Diocese seriam a mesma ou haveria condicionalismos locais que levaram a personalizar o cânone, estas são apenas algumas das questões que pretendo estudar e apresentar as minhas conclusões ao longo deste trabalho. Espero ter assim demonstrado que não foi a fonte que influenciou a escolha do tema, mas sim o tema é que levou ao aproveitar da fonte. Creio ser também de suma importância desde já reconhecer que a fonte tem muitas limitações e que em circunstância alguma pode ser tomada como mais do que a representação de uma realidade circunscrita ao espaço e tempo em que foi produzida. Tenho no entanto a firme convicção que as grandes histórias se devem fazer assentes no conhecimento das realidades locais. Espero assim contribuir muito modestamente na discussão de um tema que será sempre apaixonante e que dificilmente algum dia chegará a um consenso.
O Concílio de Trento
Um estudo como o que pretendo levar a cabo exige antes de mais que conheça a realidade a estudar, ou seja antes de avançar para a fonte devo estudar as principais linhas de pensamento no que ao Concilio diz respeito. Assim, convém saber o que de original foi promulgado, quais os dogmas ou princípios antigos que se mantiveram ou foram reforçados e finalmente se houve espaço para abandonar crenças antigas. Esta tarefa só por si, seria dantesca e certamente esgotaria o tempo disponível consagrado á cadeira, no entanto sabendo de antemão que não a poderei realizar exaustivamente, proponho-me entretanto identificar os pontos que creio serem mais pertinentes.
Uma pequena introdução acerca das dificuldades que estiveram presentes durante a realização do Concílio, poderia começar com o longo período que decorreu entre o momento em que se iniciaram os trabalhos e o momento em que estes foram dados como concluídos.
Não sendo o propósito do trabalho como atrás referi uma análise exaustiva do Concílio, creio que posso avançar sobre todos os eventos que de certa forma permitiram que Paulo III convocasse efectivamente o mesmo para se iniciar a 15 de Março de 1545, sendo no entanto que a sua abertura oficial fez-se somente em 13 de Dezembro de 1545, estando presentes trinta padres, acompanhados por quarenta teólogos, sendo que nenhum era protestante. A direcção do concílio estava assegurada por três legados pontifícios mas apenas os bispos, os gerais das ordens e os representantes das ordens monásticas tinham direito a voto com exclusão dos mandatários, dos representantes dos corpos eclesiásticos e das universidades. É claro que se estava muito longe da assembleia democrática reclamada por Lutero.
O concílio não foi realizado em um só momento, no entanto considera-se como fazendo parte deste mesmo concílio todos os trabalhos levados a cabo até 6 de Dezembro de 1563. As decisões do concílio foram comunicadas à cristandade pela bula Benedictus Deus, de 26 de Janeiro de 1564, tendo sido assinada pelo Papa Pio IV.
Sendo que está apresentada a baliza cronológica do evento, convém agora de certa forma analisar, mais em detalhe os vários momentos que este compreendeu e quais as suas principais decisões.
O Concílio de Trento propôs-se trabalhar na definição dos dogmas católicos e, ao mesmo tempo, na reforma da igreja.
Numa obra publicada em Lisboa no ano de 1781, com o título, O Sacrosanto e Ecumenico Concilio de Trento em Latim e Portuguez: Dedica e Consagra aos Excell., e Rev. Senhores Arcebispos e Bispos da Igreja Lusitana, obra esta editada em dois tomos sob a direcção de João Baptista Reycend divide o Concílio em 25 sessões com os seguintes títulos:
Sessão I – Decreto para se iniciar o Concílio
Sessão II – Decreto sobre o modo de viver, e outras coisas que se devem observar no Concílio
Sessão III – Decreto do Símbolo da Fé
Sessão IV – Decreto das Escrituras
Sessão V – Decreto do Pecado Original
Sessão VI – Decreto da Justificação
Sessão VII – Decreto dos Sacramentos
Sessão VIII – Decreto da Transladação do Concílio
Sessão IX – Decreto de se prorrogar a sessão
Sessão X – Decreto de se prorrogar a sessão
Sessão XI – Decreto de continuar o Concílio
Sessão XII – Decreto de se prorrogar a sessão
Sessão XIII – Decreto do Santíssimo Sacramento da Eucaristia
Sessão XIV – Doutrina dos Santíssimos Sacramentos da Penitência e Extrema-Unção
Sessão XV – Decreto para a prorrogação da sessão
Sessão XVI – Decreto da suspensão da sessão
Sessão XVII – Decreto para se celebrar o Concílio
Sessão XVIII – Decreto da escolha dos livros: e de todos os que hão-de ser convidados ao Concílio com fé pública
Sessão XIX – Decreto para se prorrogar a sessão
Sessão XX – Decreto da prorrogação da sessão
Sessão XXI – Doutrina da comunhão debaixo de ambas as espécies
Sessão XXII – Doutrina do Sacrifício da Missa
Sessão XXIII – Exposição da doutrina verdadeira, e Católica, pertencente ao Sacramento da Ordem, definida e publicada pelo Santo Concílio de Trento em a sétima sessão para condenação dos erros dos nossos tempos
Sessão XXIV – Doutrina do Sacramento do Matrimónio
Sessão XXV – Decreto do Purgatório
Esta divisão é feita no seguimento cronológico do Concílio e logo se destaca que dez das vinte e cinco sessões foram prorrogadas (contei entre as sessões prorrogadas a sessão VIII, na qual se dá a transladação do Concílio para Bolonha, a sessão XI, na qual se dá o decreto para continuar o Concílio, a sessão XVI em que se dá a sua suspensão e a sessão XVII em que há indicação para se iniciar o mesmo). Deve-se ainda indicar que a primeira sessão serviu única e exclusivamente para dar início oficial ao Concílio e que a segunda sessão teve como ordem de serviços legislar os costumes a serem aplicados. Podemos assim concluir que só metade das sessões foram de facto aproveitadas para “conciliar” os dogmas da igreja.
Então, cabe aqui a questão, o que se debateu neste Concílio?
Neste Concílio a primeira preocupação foi para com a afirmação das crenças na Trindade como forma de extirpar as heresias e reformar os costumes, o Símbolo da Fé (ou Credo), que é o tema da terceira sessão é disso sinal. Na quarta sessão a temática debatida centrou-se na escolha da versão bíblica a ser aprovada, daqui saiu a decisão de adoptar a Vulgata de S. Jerónimo, também nesta sessão se afirmou que as tradições apostólicas deviam ser aceites com o mesmo respeito que as escrituras. Esta sessão serviu assim para afirmar a importância da autoridade dos representantes de Deus na Terra.
A quinta sessão é sem dúvida o preparar do resto da construção ou afirmação dos dogmas católicos. Esta sessão pretende e consegue colocar o ser humano totalmente dependente da instituição religiosa desde o momento que chega ao mundo. Esta sessão será também a base doutrinal para mais tarde afirmar a necessidade e a importância do baptismo para redenção dos pecados. Será já na sexta sessão que poderemos encontrar uma prova de que o Concílio pecou por tardio, segundo alguns historiadores, se este decreto, que diz respeito á justificação tivesse sido aprovado no V Concílio de Latrão, a ruptura luterana talvez tivesse sido evitada. A doutrina católica da justificação é aqui exposta em dezasseis capítulos, que deram origem a trinta e três cânones onde se explica detalhadamente quais as crenças condenáveis com excomunhão no que a este ponto doutrinal diz respeito.
A sétima sessão define a doutrina sobre os sacramentos, proíbe a acumulação de bispados e regulamenta a função episcopal em função das exigências pastorais.
As sessões que se seguem, num total de cinco, (que correspondem a um período que se inicia em 11 de Março de 1547 e que termina a 11 de Outubro de 1551), são a prova do quão moroso era o Concílio e também a prova de que os poderes políticos nunca estavam muito longe do que se passava no concílio tridentino. Esta segunda acepção é de tal maneira evidente, que sobre o pretexto de epidemia, decidiu-se mudar o Concílio para Bolonha, na verdade os padres conciliares procuravam apenas evitar a iniciativa do imperador. O período que se segue é marcado por uma série de prorrogações do mesmo, que são consequência do grande clima de hostilidade que se fazia sentir um pouco por todo o centro da Europa e que via o “entrincheirar” de posições entre católicos e protestantes. O esforço de Carlos V é tão notório, quanto inconsequente. O Interim d’ Ausburgo, é a proposta do monarca para um compromisso, onde os católicos fariam concessões no campo da comunhão sob as duas espécies e o casamento dos padres. Apesar do esforço pelo imperador os protestantes muito relutantemente aceitam participar no Concílio, mas não em Bolonha, nem sob a direcção do Papa.
Quando os trabalhos são retomados em Outubro de 1551, já sob orientação de um novo papa, Júlio III, é notória a falta de flexibilidade do Concílio. Nesta sessão de trabalho e na seguinte, em Novembro, o termo “transubstanciação” é consagrado, a extrema unção é declarada sacramento e é definida a necessidade da confissão oral. Podemos assim facilmente nos aperceber que a passagem de alguns teólogos luteranos não resultou em nada de significativo para o Concílio. As questões políticas uma vez mais interferiram na ordem normal dos trabalhos conciliares e os trabalhos são uma vez mais adiados. Será já com Paulo IV na cadeira pontifícia que os trabalhos se reiniciam, entre Júlio III e este Papa ficara “esquecido no tempo”, o curtíssimo pontificado de Marcelo II. O pontificado de Paulo IV ficou marcado pela sua atitude extremamente conservadora e pouco tolerante. Ocupado que estava com a perseguição aos monges giróvagos e com os ataques à Dataria, alterou a fisionomia do Sacro Colégio julgando que podia realizar a reforma sozinho. Não é assim de estranhar que os padres conciliares não se tenham reunido uma única vez durante o seu pontificado (1555-1559).
O pontificado que se segue (1559-1565) é marcado por atitudes sábias do detentor da cadeira de S. Pedro. Na verdade, cedo, Pio IV nomeou o seu sobrinho Carlos Borromeu para auxiliar na renovação da disciplina. A acção deste seu sobrinho foi assinalável e granjeou a admiração de muitos dos membros presentes no Concílio. Não conseguiu no entanto evitar o crescente extremar de posições, entre aqueles que pretendiam um acréscimo dos poderes dos bispos (franceses, espanhóis e imperiais) e aqueles que desejavam manter a supremacia papal (italianos). O legado Morone, propôs então um conjunto de quarenta e dois artigos, que vieram a ser adoptados pelos padres conciliares e que possibilitaram a resolução do impasse em que o Concílio se achava. Foram incluídos vinte e um capítulos reformadores na sessão XXIV e o mesmo número na sessão XXV, sendo que a concordância era a nota marcante quando o ano de 1563 chegou ao seu término. Estes capítulos regulamentavam essencialmente a conduta, a aparência, os direitos e deveres dos representantes de Cristo na terra. No fim do trabalho, em anexo encontra-se uma tabela que sistematiza os capítulos reformadores, presentes nas já mencionadas sessões do concílio. Os Cardeais e ainda mais notoriamente os bispos viram os seus poderes aumentados em muitos aspectos. Regula-se também os constantes desmandos e uso abusivo de poderes e privilégios. Estas duas sessões são ainda aproveitadas para regular o sacramento do matrimónio, definir os cânones referentes ao purgatório, explicitar questões referentes ás indulgências e ainda acerca do culto dos santos. A sessão XXV ficou ainda marcada pela reforma das ordens monásticas, através de vinte e dois capítulos. Os membros conciliares abandonaram Trento a 6 de Dezembro de 1563 e a bula Benedictus Deus, de Pio IV mais não fez do que confirmar e dar a conhecer a toda a cristandade o resultado final das deliberações conciliares tridentinas. Refira-se só a título de curiosidade que a referida bula está datada de 26 de Janeiro de 1564.
Pierre Pierrard, afirma que “… os decretos tridentinos … só muito lentamente tenham penetrado na “carne e no sangue da igreja”, a verdade é que modelaram fortemente o seu futuro.”[1] Com esta frase pretendo sintetizar a importância do Concílio de Trento, pois certamente haveria muito mais para dizer acerca dos aspectos positivos e negativos do mesmo. Esta frase de Pierrard é também a questão que pretendo estudar no espaço reduzido que é a freguesia de Gulpilhares.
O Concílio de Trento em Portugal
Este capítulo que pretendo que seja breve, tem por fim servir de elo de ligação entre Trento e o espaço português. Num artigo da autoria da docente, publicado na Revista da Faculdade de Letras – História, II Série – Volume VII, datada de 1990, com o título Recepção do Concílio de Trento em Portugal: As normas enviadas pelo cardeal D. Henrique aos bispos do reino, em 1553, ficamos a entender a razão das normas tridentinas terem sido tão rapidamente aceites em Portugal. A acção daquele que viria a ser conhecido como o Cardeal-Rei, ainda como regente durante a menoridade de D. Sebastião, foi determinante para que desde muito cedo Portugal estivesse ao lado dos reformadores tridentinos.
Uma das medidas que também a meu ver mais contribui para a sua rápida assimilação, foi o facto de serem dadas a conhecer também na língua vernácula e não apenas em Latim. Segundo o mesmo artigo ficamos ainda a saber que o Cardeal não se limitou a agir após a conclusão do Concílio, sendo que terá inclusive enviado aos bispos do reino apontamentos acerca do espírito e as orientações referentes à assembleia ecuménica reunida em Trento.
Sem querer entrar em pormenores ou nos detalhes que o artigo aborda, creio que é fácil identificar uma total unidade, entre o que se decidiu em Trento e o que foi transmitido por D. Henrique aos bispos das várias dioceses do reino. O facto demonstra que ao nível das altas esferas não houve má interpretação, ou má vontade em relação ás medidas reformadoras propostas por Trento, a acção do Arcebispo de Braga, Frei Bartolomeu do Mártires, pode também estar associada com esta recepção positiva por parte do clero português. Devo também aproveitar esta oportunidade para fazer desde já uma referência à outra fonte que estudei para tentar compreender as questões que levantei no início deste trabalho. Uma das indicações consagradas por Trento que D. Henrique se certificou que eram bem compreendidas pelas autoridades episcopais, foi toda a dinâmica envolvente das visitações. Este instrumento de uniformização das crenças e condutas do mundo cristão, vai ser de suma importância para fazer chegar a mensagem dos padres conciliares até ao mais humilde dos crentes. D. Henrique consciente da importância que este dispositivo, que não é exactamente uma criação tridentina (como veremos mais à frente no capítulo dedicado as visitações), poderia ter na aplicação dos “ares reformadores”, tem um destaque especial nas indicações do Cardeal.
D. Henrique é assim a meu ver a principal razão pela qual Portugal está na linha da frente dos “adeptos fervorosos” de Trento, enquanto os mui católicos reis de Espanha e França, levaram mais algum tempo para aceitarem as decisões conciliares.
As Constituições Sinodais
Este novo capítulo surge por indicação da docente. Após indicar o que me propunha fazer, a professora avançou muito sabiamente, com o conselho de que Trento estava muito longe das paróquias e que deveria estudar quais as indicações presentes nas Constituições Sinodais da Diocese do Porto. Devido ao enquadramento cronológico do Concílio de Trento, decidi que deveria considerar as Constituições Sinodais imediatamente antes e depois da realização do referido concílio. Assim sendo, as constituições em questão são as publicadas em 1541 e as de 1585. As primeiras são o resultado do Sínodo de 2 de Outubro de 1540, realizadas sob a direcção episcopal de D. Frei Baltasar Limpo e as últimas, o resultado do Sínodo de 3 de Fevereiro desse mesmo ano, quando era bispo da cidade do Porto, D. Frei Marcos de Lisboa.
Devido ás limitações de tempo e á dificuldade de consultar as referidas constituições pessoalmente, decidi socorrer-me de algumas das leituras já feitas por quem se predispôs a trabalhar as mesmas. No fim do trabalho acrescento uma tabela que é um resumo de uma tabela publicada pelo Doutor Francisco Ribeiro da Silva, num seu artigo publicado no primeiro volume das actas do I Congresso sobre a Diocese do Porto, realizado em Dezembro de 1998 e que teve também o propósito de homenagear o D. Domingos de Pinho Brandão. O artigo O bispado do Porto à luz das constituições sinodais da época Moderna: valores clericais e normas de comportamento, apesar de se centrar em questões de carácter comportamental dos clérigos, é no entanto de sumo interesse, pois essa foi uma das principais questões que a reforma tridentina consagrou. Serviu ainda de referência de estudo a Dissertação de Mestrado de Demografia Histórica e Social apresentada em 1992 por Francisco Barbosa da Costa na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com o título S. João Baptista de Canelas, Uma comunidade rural das Terras de Santa Maria, Estudo Demográfico – 1588-1808.
Devido ao facto já enunciado de não ter feito leituras pessoais das constituições, sinto que não devo tecer grandes considerações acerca das mesmas, sendo que pretendo apenas chamar a atenção para alguns pontos que me pareceram significativos. Á primeira vista é óbvio que as constituições de 1585 contêm mais um ponto do que as de 1541 e que são mais detalhadas em alguns dos pontos já consignados pelas constituições mais antigas. O segundo ponto abordado nas constituições de 1585, que não é contemplado nas de 1541, diz respeito ao culto mariano e ao uso de roupas honestas. Sendo que as preocupações com o aspecto não são novidade em relação à constituição da primeira metade do século XVI, já a obrigação de rezar as horas de Nossa Senhora, é sem dúvida uma clara marca tridentina. O aumento do culto da Virgem Mãe em Portugal só se dá efectivamente após a realização do Concílio de Trento e como podemos constatar é já após o término do referido concílio que as constituições contemplam uma norma relacionada com tal culto.
Os outros pontos das constituições de 1585 onde o texto de 1541, sofre algumas alterações (que não são mais do que complementos e explicações mais específicas em relação ao texto), dizem respeito às questões de juramentos perante autoridades seculares, questões associadas com o consumo abusivo do álcool, questões relativas ao convívio com elementos suspeitos do sexo oposto e finalmente questões ligadas com a prática do nepotismo. Devo desde já referir, que todos os pontos que foram alterados nas constituições de finais do século XVI, foram assuntos que mereceram a atenção reformadora de Trento.
Como nos indica o já referido artigo do Doutor Francisco Ribeiro da Silva, podemos sintetizar as instruções referentes ao modelo de vida social do clero em cinco pontos:
1. apresentação e aspecto externo.
2. hábitos sociais.
3. comportamento e lazeres.
4. ocupações profissionais.
5. relação com o feminino e vida familiar.
Uma vez mais podemos constatar que todos estes pontos foram merecedores de especial atenção por parte dos membros reunidos nas sessões conciliares em Trento. Numa época em que a Europa se encontra dilacerada devido a questões teológicas de grande complexidade, os membros da assembleia encontram-se preocupados em regular o aspecto e a conduta dos seus membros, uma pista a considerar se quisermos nos pronunciar em relação à velha polémica da Reforma vs. Contra-Reforma.
Este novo capítulo surge por indicação da docente. Após indicar o que me propunha fazer, a professora avançou muito sabiamente, com o conselho de que Trento estava muito longe das paróquias e que deveria estudar quais as indicações presentes nas Constituições Sinodais da Diocese do Porto. Devido ao enquadramento cronológico do Concílio de Trento, decidi que deveria considerar as Constituições Sinodais imediatamente antes e depois da realização do referido concílio. Assim sendo, as constituições em questão são as publicadas em 1541 e as de 1585. As primeiras são o resultado do Sínodo de 2 de Outubro de 1540, realizadas sob a direcção episcopal de D. Frei Baltasar Limpo e as últimas, o resultado do Sínodo de 3 de Fevereiro desse mesmo ano, quando era bispo da cidade do Porto, D. Frei Marcos de Lisboa.
Devido ás limitações de tempo e á dificuldade de consultar as referidas constituições pessoalmente, decidi socorrer-me de algumas das leituras já feitas por quem se predispôs a trabalhar as mesmas. No fim do trabalho acrescento uma tabela que é um resumo de uma tabela publicada pelo Doutor Francisco Ribeiro da Silva, num seu artigo publicado no primeiro volume das actas do I Congresso sobre a Diocese do Porto, realizado em Dezembro de 1998 e que teve também o propósito de homenagear o D. Domingos de Pinho Brandão. O artigo O bispado do Porto à luz das constituições sinodais da época Moderna: valores clericais e normas de comportamento, apesar de se centrar em questões de carácter comportamental dos clérigos, é no entanto de sumo interesse, pois essa foi uma das principais questões que a reforma tridentina consagrou. Serviu ainda de referência de estudo a Dissertação de Mestrado de Demografia Histórica e Social apresentada em 1992 por Francisco Barbosa da Costa na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com o título S. João Baptista de Canelas, Uma comunidade rural das Terras de Santa Maria, Estudo Demográfico – 1588-1808.
Devido ao facto já enunciado de não ter feito leituras pessoais das constituições, sinto que não devo tecer grandes considerações acerca das mesmas, sendo que pretendo apenas chamar a atenção para alguns pontos que me pareceram significativos. Á primeira vista é óbvio que as constituições de 1585 contêm mais um ponto do que as de 1541 e que são mais detalhadas em alguns dos pontos já consignados pelas constituições mais antigas. O segundo ponto abordado nas constituições de 1585, que não é contemplado nas de 1541, diz respeito ao culto mariano e ao uso de roupas honestas. Sendo que as preocupações com o aspecto não são novidade em relação à constituição da primeira metade do século XVI, já a obrigação de rezar as horas de Nossa Senhora, é sem dúvida uma clara marca tridentina. O aumento do culto da Virgem Mãe em Portugal só se dá efectivamente após a realização do Concílio de Trento e como podemos constatar é já após o término do referido concílio que as constituições contemplam uma norma relacionada com tal culto.
Os outros pontos das constituições de 1585 onde o texto de 1541, sofre algumas alterações (que não são mais do que complementos e explicações mais específicas em relação ao texto), dizem respeito às questões de juramentos perante autoridades seculares, questões associadas com o consumo abusivo do álcool, questões relativas ao convívio com elementos suspeitos do sexo oposto e finalmente questões ligadas com a prática do nepotismo. Devo desde já referir, que todos os pontos que foram alterados nas constituições de finais do século XVI, foram assuntos que mereceram a atenção reformadora de Trento.
Como nos indica o já referido artigo do Doutor Francisco Ribeiro da Silva, podemos sintetizar as instruções referentes ao modelo de vida social do clero em cinco pontos:
1. apresentação e aspecto externo.
2. hábitos sociais.
3. comportamento e lazeres.
4. ocupações profissionais.
5. relação com o feminino e vida familiar.
Uma vez mais podemos constatar que todos estes pontos foram merecedores de especial atenção por parte dos membros reunidos nas sessões conciliares em Trento. Numa época em que a Europa se encontra dilacerada devido a questões teológicas de grande complexidade, os membros da assembleia encontram-se preocupados em regular o aspecto e a conduta dos seus membros, uma pista a considerar se quisermos nos pronunciar em relação à velha polémica da Reforma vs. Contra-Reforma.
As Visitações
As visitações são antes do mais, uma “inquirição geral da vida e costumes dos súbditos tanto clérigos como leigos, do estado das Igrejas, Hospitais, Ermidas, Confrarias e outros lugares pios, tudo encaminhando para o fim espiritual das almas”.[2] O enquadramento histórico da fonte é de difícil execução devido à falta de elementos relativos à mesma. Na região das Terras de Santa Maria existe a referência a uma visita feita à Igreja de Canedo no início do século XIV, no entanto existe quem considere o livro dos Actos dos Apóstolos como sendo o primeiro livro desta natureza. De facto este livro que se encontra imediatamente a seguir aos evangelhos (a saber, Mateus, Marcos, Lucas e João), não raras vezes é um fiel relato das acções pastorais dos eleitos de Cristo e das suas “visitações” com as igrejas primitivas. Independentemente da sua real génese, este tipo de prática só após o Concílio de Trento, ganhou a consciência da necessidade de registar sistematicamente a realização e natureza da mesma. Será de facto uma indicação tridentina, a necessidade da Diocese acompanhar de perto a vida dos fiéis sob a sua jurisdição e acima de tudo a importância de registrar a ocorrência, o mesmo vai acontecer com a realização dos sacramentos, dando origem ao rico espólio paroquial que podemos agora desfrutar. Podemos assim entender que a prática é anterior à sistematização dos registos.
A oitava sessão realizada sob a orientação de Pio IV, que se realizou a 11 de Novembro de 1563, após abordar questões que diziam respeito ao sacramento do matrimónio, concentrou a atenção dos reformadores no Decreto da Reforma. Este Decreto ficará conhecido pelos seus quarenta e dois capítulos que são sem dúvida a essência do Concílio, sendo que o terceiro diz respeito às visitações. As primeiras indicações foram no sentido dos Patriarcas, Primazes, Metropolitanos e Bispos, não deixarem de visitar por si mesmos, não estando legitimamente impedidos, cada ano a Diocese. Os que tivessem Dioceses mais extensas deveriam completar as visitas em dois anos. É ainda também notório o reforçar dos poderes do bispo, sendo que mesmo nos casos onde as paróquias estejam directamente sob a direcção do cabido, o visitador deve ser aprovado pelo Bispo. O mesmo capítulo faz ainda referência ao propósito destas visitas. O intento principal das visitas é estabelecer a sã doutrina e erradicar as heresias, manter os bons costumes e emendar os maus. Em seguida é dado a conhecer qual o modo de actuar dos visitadores, instruindo-os a manterem uma caridade paternal e zelo cristão. A visita devia ser o mais breve possível, sem prejuízo da diligência e os visitadores deviam poupar gastos inúteis e tornarem-se onerosos para aqueles que visitam, devendo recusar qualquer tipo de oferenda pela visita, estando o prevaricador obrigado a devolver em dobro no espaço de um mês a oferta recebida. O capítulo acaba com algumas instruções dirigidas aos visitados, de não interferirem no trabalho do visitador.
As Visitações tinham ainda um “cerimonial” próprio. A visitação começava com o envio de um questionário, que era afixado à porta da Igreja, afim dos fiéis poderem informar o visitador sobre desvios que conhecem em relação à moral e doutrina quer de clérigos quer de outros leigos. O pároco ficava assim também a saber quando seria a visita e deveria providenciar para que todos os fregueses estivessem presentes. Devido à necessidade de estarem presentes todos os fregueses as Constituições Sinodais publicadas em 1690, referiam que a visita não deveria ser feita em época de recolha das frutas e das novidades.
Aquando da chegada do visitador o pároco deveria ordenar o tocar dos sinos a repique. A visitação propriamente dita iniciava-se com a absolvição dos defuntos, após a qual o visitador inspeccionava o bom estado do Sacrário, dos Santos Óleos e da Pia Baptismal, devia ainda verificar as Relíquias dos Altares, as Pedras de Ara, os Retábulos das Imagens e a Sacristia. No fim deveria ainda conferir os Ornamentos missais e mais coisas do culto divino.
Não se ficavam por aqui as obrigações dos visitadores, pois deveriam ainda:
- ver as igrejas por dentro e por fora, coros, cemitérios e outros edifícios paroquiais
- ver como se governa a Igreja no espiritual e no temporal
- ver se reparam o material dos templos
- ver se tratam com asseio os altares
- ver se guardam com reverência o Santíssimo Sacramento
- ver se o povo assiste com devoção e silêncio aos ofícios divinos e se neles intrometem profanidades e outros abusos
- ver se a Igreja é servida de seus ministros
- inquirir com grande diligência acerca da vida e costumes dos eclesiásticos e seculares e verificar que não incorrem em adultérios, incestos, amancebamentos, desonestidades, sacrilégios ou feitiçarias.
Este último conjunto de indicações estão consagradas nas já referidas Constituições de D. João de Sousa, publicadas em 1690.
As Visitações de Gulpilhares
Feita que está a introdução aos contextos gerais, o Concílio de Trento, a sua implementação em Portugal, as Constituições Sinodais do Porto e as Visitações no Geral, creio poder agora iniciar este capítulo que diz respeito às Visitações de Gulpilhares, propriamente ditas. Assim sendo a primeira consideração prende-se com os aspectos da fonte em si.
Aquando da publicação desta fonte, o livro encontrava-se em boas condições de leitura e muito bem encadernado, encontrando-se no Museu Etnográfico do Douro Litoral. O livro mede 27,5 cm x 18,5 cm, sendo que as folhas estão rubricadas e numeradas pelo Rev.º Padre Cura João de Barros Coelho.
O livro tem o título de “Livro das visitações da parochial Igreja de Nossa Senhora de Golpelhares 1598”, sendo este complementado pela seguinte informação, “Livro que serve das visitações de transcrever as ordens e circulares e que constam os usos e costumes da Igreja de Gulpilhares”. O livro tem 242 folhas estando riscadas parte da 165v, 166 e 167.
De forma “profética” os visitadores são instruídos a levarem consigo um livro onde registrassem tudo o que ficava no livro próprio da freguesia a fim de se salvar a informação caso o exemplar da Igreja se perdesse. No caso do concelho de Gaia, conhecessem apenas quatro livros de visitações, Gulpilhares, Canelas, Perosinho e Sandim, conhecem-se ainda as transcrições representantes das freguesias de Crestuma e Olival, que se encontram no Arquivo Distrital do Porto.
No livro de Gulpilhares encontram-se registadas um total de 130 visitas realizadas entre 26 de Maio de 1599 e 3 de Setembro de 1840, sendo que somente catorze foram feitas pessoalmente pelo Bispo. No entanto este facto não significa que as indicações de Trento não fossem seguidas, pois deve-se assinalar que até ao ano de 1664 a freguesia foi visitada anualmente, excepção feita aos anos de 1628, 1631 e 1657. A visita referente ao ano de 1631 pode no entanto ser considerada pela visita de 12 de Dezembro de 1630, que era a segunda no mesmo ano. O ano de 1657 que não teve visita fica no entanto bem enquadrado pelas visitas de 2 de Novembro de 1656 e a de 8 de Janeiro de 1658. Devemos ainda assinalar que os anos de 1599, 1624 e o já referido de 1630 foram marcados por duas visitas. Os lapsos mais significativos acontecem entre os anos de 1664-1671, 1681-1684, 1702-1705, 1716-1719, 1738-1741, 1746-1750 e todo o período que se segue a partir de 1756 onde nunca mais se realizaram regularmente as visitações, sendo de assinalar que num período de 84 anos fizeram-se 11 visitas, o que dá uma média de uma visita por cada sete anos e meio. Deve-se ainda assinalar que entre 1823 e 1840 não se fizeram qualquer visita, correspondendo a um período de dezassete anos. Devo no entanto assinalar que dentro das balizas temporais “construídas” para a Época Moderna, a regularidade e o cumprimento das indicações de Trento são a nota dominante.
Após realizar a “fotografia” da fonte podemos entrar mais pormenorizadamente no seu conteúdo. Quais são as principais questões tratadas no Livro das Visitações de Gulpilhares? Como podemos facilmente constatar após ler algumas das visitações, uma das principais preocupações é relativa aos clérigos, nomeadamente com o seu aspecto e conduta. A preocupação com os membros do clero está ainda muito evidente na obrigação de se fazer periodicamente conferências de moral, bem como de teologia dogmática a que deveriam assistir todos os clérigos. Estes eram ainda incentivados a estudarem aprofundadamente as cerimónias e a liturgia. Regula-se ainda a ausência dos Párocos das suas freguesias.
Os amantes das pesquisas genealógicas ficam eternamente gratos pela ordem de se dever registrar nos assentos de matrimónio, os nomes dos pais e avós de ambos os sexos.
Os assuntos tratados pelas visitações podem ser agrupados em sete grandes grupos:
- Estado dos Edifícios
- Clero
- Culto e Magistério
- Rendimentos
- Sociedade
- Estado Espiritual e Moral
- Outros Assuntos
Dentro de cada um destes grupos poderíamos considerar uma série de subgrupos a fim de melhor estruturar os conteúdos. Por exemplo, no grupo que diz respeito aos edifícios, podemos incluir os seguintes subgrupos:
- Igreja e seus anexos
- Cemitério: área, disposição e usos
- Capelas rurais
Foi no entanto necessário proceder a algumas opções afim de tornar o projecto deste trabalho viável e realizável no período compreendido pela cadeira. A fonte é imensa em quantidade e muito rica em qualidade, não querendo me tornar “servo” da fonte e fazer apenas um trabalho de constatação de ocorrências, decidi concentrar a minha atenção nas informações que dizem respeito ao Clero. Relativamente a este grupo podemos estudar as indicações que dizem respeito ao aspecto dos clérigos (roupa e asseio), à conduta com os fiéis, ás suas responsabilidades, etc.
Comecemos pois então pela questão das ausências do Pároco, em 1678, proíbe-se a ausência num período superior a 60 dias, sem restituir aos pobres os benefícios que dizem respeito a esse período. A indicação parece que terá sido cumprida, no entanto em 1746 é feita uma inquirição acerca de quantas vezes o Pároco faltava por ano e quais as licenças que havia invocado, sendo ainda obrigado a entregar as chaves da Igreja a homens justos e capazes aquando das ausências.
Uma outra questão que é uma preocupação de suma importância para a Diocese (herdada sem dúvida do espírito tridentino) diz respeito à conduta dos clérigos. Em 1643, o visitador afirma ter recebido informações de “pessoas de muita qualidade” de que os Párocos usavam palavras escandalosas contra elas, em 1676 proíbe-se o uso de tabaco, sendo que o mesmo já havia sido proibido em 1664. Em 1794 é proibida a assistência a arraiais indecentes e bailes, sendo que também já em 1675 havia-se proibido a prática de se mascararem nas festas, sendo ainda mais antiga (1609) a proibição de os sacerdotes andarem em festas e confrarias na companhia de leigos. A conduta dos clérigos é ainda regulada em muitos outros aspectos. Em 1655 é proibido o uso de armas, o mesmo acontecendo em 1664 e em 1675. É de assinalar que a visitação de 1664 proíbe os clérigos de andarem com cães, dito assim podia parecer uma proibição arbitrária, no entanto a proibição diz respeito a um conjunto que compreende também o uso de espingarda e carapuças. Se á primeira vista parece apenas, uma indicação com o fim de evitar o aspecto de malfeitor, devemos também ter em conta que desde os tempos medievos que os membros do clero se portavam como autênticos senhores temporais, sendo bem conhecido que a prática da caça era apanágio dos aristocratas.
A visitação de 1675 é de facto muito rica nas restrições que impõem aos religiosos, são assim proibidos de irem para a igreja com espingardas, pistolas, gravatas, gadelhas e casacos, largarem os hábitos e mascararem-se em festas. Colocando de lado as questões de vestuário e as de conduta já abordadas noutro espaço, é de referir a distinção entre espingarda e pistola, dando indicação de que os clérigos eram hábeis contornadores da letra da lei. O mesmo se torna evidente nas visitações de 1677 e 1728, onde é proibido aos clérigos frequentar tabernas, entrar nas vendas, comer, jogar, beber e buscar vinho, sendo a única diferença evidente entre as duas, a primeira dizer respeito aquando de se encontrar em viagem e a segunda ser uma instrução sem qualquer tipo de enquadramento limitativo, devendo ser considerada como princípios a manter sempre. A necessidade de repetição da instrução se não mostra claramente se havia ou não desvios em relação à visitação de 1677, mostra-nos no entanto claramente que o espírito da lei não tinha sido assimilado e que era necessário regular o comportamento dos clérigos dentro do espaço da sua jurisdição.
A maioria das indicações dadas aos clérigos são no entanto respeitantes à sua apresentação. A obrigatoriedade de uso de sobrepeliz é referida em 1605, 1608, 1637, 1655, 1675, 1746, 1754 e 1762. A proibição de assistir ás cerimónias sem arranjo de cabelo e sem vestes talares de 1684 é repetida em 1731, 1746, 1823 e 1840, sendo que as visitações de 1731, 1823 e 1840 também obrigavam ao uso de cabeção. O atavio pessoal dos eclesiásticos é afirmado em muitas visitações, servindo como exemplo a visitação de 1738 onde torna-se proibido aos clérigos entrarem na Igreja descompostos com casacos desabotoados e cores menos honestas. As questões da forma de vestir dos clérigos está ainda presente na visitação de 1664, onde é proibido o uso de carapuças e na de 1702, onde se proíbe o uso de casacas e calções com bolsos pelos joelhos até ao meio da perna, sendo que em 1712 é proibido o uso de japonas. Em 1729 proíbe-se o uso de botas com esporas, chambres de várias cores, trajes indecentes, em 1754 é o uso de trajes com cores e bicos emproados que é regulamentado. Ainda em 1779 proíbe-se o uso de cabeleira e solidéu.
Existem ainda questões relacionadas com o clero, que se encontram em orientações que não parecem dirigir-se a estes numa primeira leitura, mas que na sua essência são também formas de os regular.
As instruções relativas ao sacramento da confissão, são um campo muito rico para podermos analisar os pressupostos colocados anteriormente, assim em 1612 é proibido confessar pessoas de fora para casamento sem licença do Pároco de Origem. Já em 1676, com excepção dos membros da Companhia de Jesus, obrigam-se também os padres religiosos a apresentarem licença de confissão e pregação passada pelo bispo. A visitação de 1679, obrigava a confissão de joelhos. Se estas visitações não implicam de facto evidentes referências ao comportamento dos clérigos, já com a visitação de 1684, podemos ver qual é a verdadeira preocupação das autoridades diocesanas, quando obrigam que a confissão seja feita no confessionário sobretudo a mulheres (só as questões relacionadas com o sexo feminino eram dignas de um trabalho de per si). O mesmo assunto volta a ser abordado em 1725, abrindo-se excepção ás enfermas e em 1726, “ás mulheres velhas e moucas no caso de não haver concurso de gente”. O mesmo princípio é ainda abordado em 1744, obrigando o Padre ao uso de sobrepeliz, a questão do confessionário é ainda abordada em 1769 e 1794. Cabe agora abrir uma chamada de atenção para as situações em que os clérigos podiam receber pena de excomunhão. Tais eram os casos de, não usarem sobrepeliz nos ofícios de defuntos, não notificarem as mulheres de má vida, andassem em festas e comessem com leigos que usassem vestes indecentes, receberem dinheiro pelo falecimento de enjeitados, uso de palavras escandalosas contra pessoas de qualidade, uso de espingardas, carapuças e cães na Igreja, realizarem missa sem licença, conversas sobre negócios e tratos seculares nas Igrejas e Capelas, etc.
Conclusões
Chegamos assim de uma forma muito leve ao último capítulo deste nosso trabalho. Antes do mais, devemos ainda uma vez mais reconhecer que esta abordagem está longe de ser exaustiva quer em quantidade, quer em profundidade, no entanto é também nosso parecer que os foram dados todos os passos necessários para a construção de um trabalho científico credível. Devemos ainda reconhecer que a quantidade de notas de rodapé não serem abundantes, sendo que não se trata de uma questão de desonestidade intelectual, mas sim devido ao facto de haver não raras vezes uma total comunhão entre sentimentos já existentes em nós e as ideias defendidas pelos vários autores que consultamos. Afim de evitar qualquer grau de suspeita sobre as influências evidentes no texto, colocaremos no fim do mesmo uma bibliografia com a totalidade dos trabalhos e fontes consultadas para a elaboração do mesmo.
Gostaríamos então agora de avançar com as nossas conclusões, sendo que são também fruto de leituras que não chegaram a texto neste trabalho, nomeadamente em termos de fonte, pois foi muito maior a leitura feita do que as referências pontuais apresentadas no trabalho.
A questão que é apresentada no trabalho centra-se nas referências ao clero. A constante repetição de proibições nomeadamente no que ao vestuário diz respeito é a evidência acabada de que na ramificação mais elementar da estrutura clerical, só muito lentamente se conseguiram implementar as decisões reformadoras consagradas por Pio IV, na Bula Benedictus Deus. Não raras vezes é facilmente identificável, que as indicações que o visitador exprime, são retiradas directamente do texto conciliar. Sentimo-nos assim inclinados a concordar com as palavras de Pierre Pierrard, acerca da lentidão com a qual os princípios são de facto absorvidos pela totalidade da cristandade, mesmo quando só dispomos da realidade micro que é Gulpilhares. Cremos ser já óbvio que uma conclusão desta natureza não se assenta só na questão dos clérigos serem avessos a aceitarem as posições diocesanas no que ao seu atavio diz respeito. O mesmo podemos constatar em relação a muitas outras situações, sejam desvios comportamentais relacionados com o convívio com elementos do sexo oposto, seja com questões que implicavam o estudo e interiorização dos assuntos dogmáticos aprovados em Trento ou o uso abusivo do álcool. A verdade é que a totalidade da fonte transpira a insubordinação clerical, não significando obrigatoriamente que havia uma premeditação revoltosa envolvida na atitude desses agentes religiosos.
Agora que parte das questões levantadas no início do trabalho estão semi-resolvidas, muitas outras questões se levantam, sendo que a mais evidente se prende com a razão de a assimilação ser tão lenta em Gulpilhares (cremos no entanto que certamente o mesmo se pode perguntar acerca de outros espaços). A questão torna-se ainda mais pertinente quando podemos constatar que as altas hierarquias clericais portuguesas estavam em perfeita sintonia e agirem em conformidade com as normas tridentinas desde muito cedo, seja pela actuação do Cardeal D. Henrique seja pelas Constituições Sinodais, nomeadamente as da Diocese do Porto, apesar de se continuar a recorrer abusivamente da excomunhão.
Fontes e Referências Bibliográficas
Fontes:
- SILVA, Francisco Ribeiro – Visitações de Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, Gabinete de História e Arqueologia de V. N. Gaia, 1986
- O sacrosanto, e ecumenico Concilio de Trento em latim e portuguez / dedica e consagra, aos... Arcebispos e Bispos da Igreja Lusitana, João Baptista ReycendLisboa : na Off. de Francisco Luiz Ameno, 1781. - 2 v. ; 16 cm
BN S.C. 7006 P.BN S.C. 7007 P.
Referências Bibliográficas:
- COSTA, Francisco Barbosa da – S. João Baptista de Canelas, Uma comunidade rural das Terras de Santa Maria, Estudo Demográfico – 1588-1808, Porto, Dissertação de Mestrado de Demografia Histórica e Social apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1992
- PIERRARD, Pierre – História da Igreja Católica, Lisboa, Planeta Editora, 2002.
- SILVA, Amélia Maria Polónia da – Recepção do Concílio de Trento em Portugal: as normas enviadas pelo Cardeal D. Henrique aos bispos do Reino, em 1553, in Revista da Faculdade de Letras – História, II Série, Porto, 1990, Vol.VII, pp. 133-143
- SILVA, Francisco Ribeiro da – O Bispado do Porto à luz das constituições sinodais da época moderna: Valores clericais e normas de comportamento, in Actas I Congresso sobre a Diocese do Porto, Tempos e Lugares de Memória, Porto, Centro de Estudos D. Domingos de Pinho Brandão, Universidade Católica – Centro Regional do Porto, 2002, Vol.I, pp. 57-81.
[1] PIERRARD, Pierre - História da Igreja Católica, Lisboa, Planeta Editora, 2002, p. 239.
[2] Costa, Francisco Barbosa da – Visitações de Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, Gabinete de História e Arqueologia de V. N. Gaia, 1986, p. 9.
As visitações são antes do mais, uma “inquirição geral da vida e costumes dos súbditos tanto clérigos como leigos, do estado das Igrejas, Hospitais, Ermidas, Confrarias e outros lugares pios, tudo encaminhando para o fim espiritual das almas”.[2] O enquadramento histórico da fonte é de difícil execução devido à falta de elementos relativos à mesma. Na região das Terras de Santa Maria existe a referência a uma visita feita à Igreja de Canedo no início do século XIV, no entanto existe quem considere o livro dos Actos dos Apóstolos como sendo o primeiro livro desta natureza. De facto este livro que se encontra imediatamente a seguir aos evangelhos (a saber, Mateus, Marcos, Lucas e João), não raras vezes é um fiel relato das acções pastorais dos eleitos de Cristo e das suas “visitações” com as igrejas primitivas. Independentemente da sua real génese, este tipo de prática só após o Concílio de Trento, ganhou a consciência da necessidade de registar sistematicamente a realização e natureza da mesma. Será de facto uma indicação tridentina, a necessidade da Diocese acompanhar de perto a vida dos fiéis sob a sua jurisdição e acima de tudo a importância de registrar a ocorrência, o mesmo vai acontecer com a realização dos sacramentos, dando origem ao rico espólio paroquial que podemos agora desfrutar. Podemos assim entender que a prática é anterior à sistematização dos registos.
A oitava sessão realizada sob a orientação de Pio IV, que se realizou a 11 de Novembro de 1563, após abordar questões que diziam respeito ao sacramento do matrimónio, concentrou a atenção dos reformadores no Decreto da Reforma. Este Decreto ficará conhecido pelos seus quarenta e dois capítulos que são sem dúvida a essência do Concílio, sendo que o terceiro diz respeito às visitações. As primeiras indicações foram no sentido dos Patriarcas, Primazes, Metropolitanos e Bispos, não deixarem de visitar por si mesmos, não estando legitimamente impedidos, cada ano a Diocese. Os que tivessem Dioceses mais extensas deveriam completar as visitas em dois anos. É ainda também notório o reforçar dos poderes do bispo, sendo que mesmo nos casos onde as paróquias estejam directamente sob a direcção do cabido, o visitador deve ser aprovado pelo Bispo. O mesmo capítulo faz ainda referência ao propósito destas visitas. O intento principal das visitas é estabelecer a sã doutrina e erradicar as heresias, manter os bons costumes e emendar os maus. Em seguida é dado a conhecer qual o modo de actuar dos visitadores, instruindo-os a manterem uma caridade paternal e zelo cristão. A visita devia ser o mais breve possível, sem prejuízo da diligência e os visitadores deviam poupar gastos inúteis e tornarem-se onerosos para aqueles que visitam, devendo recusar qualquer tipo de oferenda pela visita, estando o prevaricador obrigado a devolver em dobro no espaço de um mês a oferta recebida. O capítulo acaba com algumas instruções dirigidas aos visitados, de não interferirem no trabalho do visitador.
As Visitações tinham ainda um “cerimonial” próprio. A visitação começava com o envio de um questionário, que era afixado à porta da Igreja, afim dos fiéis poderem informar o visitador sobre desvios que conhecem em relação à moral e doutrina quer de clérigos quer de outros leigos. O pároco ficava assim também a saber quando seria a visita e deveria providenciar para que todos os fregueses estivessem presentes. Devido à necessidade de estarem presentes todos os fregueses as Constituições Sinodais publicadas em 1690, referiam que a visita não deveria ser feita em época de recolha das frutas e das novidades.
Aquando da chegada do visitador o pároco deveria ordenar o tocar dos sinos a repique. A visitação propriamente dita iniciava-se com a absolvição dos defuntos, após a qual o visitador inspeccionava o bom estado do Sacrário, dos Santos Óleos e da Pia Baptismal, devia ainda verificar as Relíquias dos Altares, as Pedras de Ara, os Retábulos das Imagens e a Sacristia. No fim deveria ainda conferir os Ornamentos missais e mais coisas do culto divino.
Não se ficavam por aqui as obrigações dos visitadores, pois deveriam ainda:
- ver as igrejas por dentro e por fora, coros, cemitérios e outros edifícios paroquiais
- ver como se governa a Igreja no espiritual e no temporal
- ver se reparam o material dos templos
- ver se tratam com asseio os altares
- ver se guardam com reverência o Santíssimo Sacramento
- ver se o povo assiste com devoção e silêncio aos ofícios divinos e se neles intrometem profanidades e outros abusos
- ver se a Igreja é servida de seus ministros
- inquirir com grande diligência acerca da vida e costumes dos eclesiásticos e seculares e verificar que não incorrem em adultérios, incestos, amancebamentos, desonestidades, sacrilégios ou feitiçarias.
Este último conjunto de indicações estão consagradas nas já referidas Constituições de D. João de Sousa, publicadas em 1690.
As Visitações de Gulpilhares
Feita que está a introdução aos contextos gerais, o Concílio de Trento, a sua implementação em Portugal, as Constituições Sinodais do Porto e as Visitações no Geral, creio poder agora iniciar este capítulo que diz respeito às Visitações de Gulpilhares, propriamente ditas. Assim sendo a primeira consideração prende-se com os aspectos da fonte em si.
Aquando da publicação desta fonte, o livro encontrava-se em boas condições de leitura e muito bem encadernado, encontrando-se no Museu Etnográfico do Douro Litoral. O livro mede 27,5 cm x 18,5 cm, sendo que as folhas estão rubricadas e numeradas pelo Rev.º Padre Cura João de Barros Coelho.
O livro tem o título de “Livro das visitações da parochial Igreja de Nossa Senhora de Golpelhares 1598”, sendo este complementado pela seguinte informação, “Livro que serve das visitações de transcrever as ordens e circulares e que constam os usos e costumes da Igreja de Gulpilhares”. O livro tem 242 folhas estando riscadas parte da 165v, 166 e 167.
De forma “profética” os visitadores são instruídos a levarem consigo um livro onde registrassem tudo o que ficava no livro próprio da freguesia a fim de se salvar a informação caso o exemplar da Igreja se perdesse. No caso do concelho de Gaia, conhecessem apenas quatro livros de visitações, Gulpilhares, Canelas, Perosinho e Sandim, conhecem-se ainda as transcrições representantes das freguesias de Crestuma e Olival, que se encontram no Arquivo Distrital do Porto.
No livro de Gulpilhares encontram-se registadas um total de 130 visitas realizadas entre 26 de Maio de 1599 e 3 de Setembro de 1840, sendo que somente catorze foram feitas pessoalmente pelo Bispo. No entanto este facto não significa que as indicações de Trento não fossem seguidas, pois deve-se assinalar que até ao ano de 1664 a freguesia foi visitada anualmente, excepção feita aos anos de 1628, 1631 e 1657. A visita referente ao ano de 1631 pode no entanto ser considerada pela visita de 12 de Dezembro de 1630, que era a segunda no mesmo ano. O ano de 1657 que não teve visita fica no entanto bem enquadrado pelas visitas de 2 de Novembro de 1656 e a de 8 de Janeiro de 1658. Devemos ainda assinalar que os anos de 1599, 1624 e o já referido de 1630 foram marcados por duas visitas. Os lapsos mais significativos acontecem entre os anos de 1664-1671, 1681-1684, 1702-1705, 1716-1719, 1738-1741, 1746-1750 e todo o período que se segue a partir de 1756 onde nunca mais se realizaram regularmente as visitações, sendo de assinalar que num período de 84 anos fizeram-se 11 visitas, o que dá uma média de uma visita por cada sete anos e meio. Deve-se ainda assinalar que entre 1823 e 1840 não se fizeram qualquer visita, correspondendo a um período de dezassete anos. Devo no entanto assinalar que dentro das balizas temporais “construídas” para a Época Moderna, a regularidade e o cumprimento das indicações de Trento são a nota dominante.
Após realizar a “fotografia” da fonte podemos entrar mais pormenorizadamente no seu conteúdo. Quais são as principais questões tratadas no Livro das Visitações de Gulpilhares? Como podemos facilmente constatar após ler algumas das visitações, uma das principais preocupações é relativa aos clérigos, nomeadamente com o seu aspecto e conduta. A preocupação com os membros do clero está ainda muito evidente na obrigação de se fazer periodicamente conferências de moral, bem como de teologia dogmática a que deveriam assistir todos os clérigos. Estes eram ainda incentivados a estudarem aprofundadamente as cerimónias e a liturgia. Regula-se ainda a ausência dos Párocos das suas freguesias.
Os amantes das pesquisas genealógicas ficam eternamente gratos pela ordem de se dever registrar nos assentos de matrimónio, os nomes dos pais e avós de ambos os sexos.
Os assuntos tratados pelas visitações podem ser agrupados em sete grandes grupos:
- Estado dos Edifícios
- Clero
- Culto e Magistério
- Rendimentos
- Sociedade
- Estado Espiritual e Moral
- Outros Assuntos
Dentro de cada um destes grupos poderíamos considerar uma série de subgrupos a fim de melhor estruturar os conteúdos. Por exemplo, no grupo que diz respeito aos edifícios, podemos incluir os seguintes subgrupos:
- Igreja e seus anexos
- Cemitério: área, disposição e usos
- Capelas rurais
Foi no entanto necessário proceder a algumas opções afim de tornar o projecto deste trabalho viável e realizável no período compreendido pela cadeira. A fonte é imensa em quantidade e muito rica em qualidade, não querendo me tornar “servo” da fonte e fazer apenas um trabalho de constatação de ocorrências, decidi concentrar a minha atenção nas informações que dizem respeito ao Clero. Relativamente a este grupo podemos estudar as indicações que dizem respeito ao aspecto dos clérigos (roupa e asseio), à conduta com os fiéis, ás suas responsabilidades, etc.
Comecemos pois então pela questão das ausências do Pároco, em 1678, proíbe-se a ausência num período superior a 60 dias, sem restituir aos pobres os benefícios que dizem respeito a esse período. A indicação parece que terá sido cumprida, no entanto em 1746 é feita uma inquirição acerca de quantas vezes o Pároco faltava por ano e quais as licenças que havia invocado, sendo ainda obrigado a entregar as chaves da Igreja a homens justos e capazes aquando das ausências.
Uma outra questão que é uma preocupação de suma importância para a Diocese (herdada sem dúvida do espírito tridentino) diz respeito à conduta dos clérigos. Em 1643, o visitador afirma ter recebido informações de “pessoas de muita qualidade” de que os Párocos usavam palavras escandalosas contra elas, em 1676 proíbe-se o uso de tabaco, sendo que o mesmo já havia sido proibido em 1664. Em 1794 é proibida a assistência a arraiais indecentes e bailes, sendo que também já em 1675 havia-se proibido a prática de se mascararem nas festas, sendo ainda mais antiga (1609) a proibição de os sacerdotes andarem em festas e confrarias na companhia de leigos. A conduta dos clérigos é ainda regulada em muitos outros aspectos. Em 1655 é proibido o uso de armas, o mesmo acontecendo em 1664 e em 1675. É de assinalar que a visitação de 1664 proíbe os clérigos de andarem com cães, dito assim podia parecer uma proibição arbitrária, no entanto a proibição diz respeito a um conjunto que compreende também o uso de espingarda e carapuças. Se á primeira vista parece apenas, uma indicação com o fim de evitar o aspecto de malfeitor, devemos também ter em conta que desde os tempos medievos que os membros do clero se portavam como autênticos senhores temporais, sendo bem conhecido que a prática da caça era apanágio dos aristocratas.
A visitação de 1675 é de facto muito rica nas restrições que impõem aos religiosos, são assim proibidos de irem para a igreja com espingardas, pistolas, gravatas, gadelhas e casacos, largarem os hábitos e mascararem-se em festas. Colocando de lado as questões de vestuário e as de conduta já abordadas noutro espaço, é de referir a distinção entre espingarda e pistola, dando indicação de que os clérigos eram hábeis contornadores da letra da lei. O mesmo se torna evidente nas visitações de 1677 e 1728, onde é proibido aos clérigos frequentar tabernas, entrar nas vendas, comer, jogar, beber e buscar vinho, sendo a única diferença evidente entre as duas, a primeira dizer respeito aquando de se encontrar em viagem e a segunda ser uma instrução sem qualquer tipo de enquadramento limitativo, devendo ser considerada como princípios a manter sempre. A necessidade de repetição da instrução se não mostra claramente se havia ou não desvios em relação à visitação de 1677, mostra-nos no entanto claramente que o espírito da lei não tinha sido assimilado e que era necessário regular o comportamento dos clérigos dentro do espaço da sua jurisdição.
A maioria das indicações dadas aos clérigos são no entanto respeitantes à sua apresentação. A obrigatoriedade de uso de sobrepeliz é referida em 1605, 1608, 1637, 1655, 1675, 1746, 1754 e 1762. A proibição de assistir ás cerimónias sem arranjo de cabelo e sem vestes talares de 1684 é repetida em 1731, 1746, 1823 e 1840, sendo que as visitações de 1731, 1823 e 1840 também obrigavam ao uso de cabeção. O atavio pessoal dos eclesiásticos é afirmado em muitas visitações, servindo como exemplo a visitação de 1738 onde torna-se proibido aos clérigos entrarem na Igreja descompostos com casacos desabotoados e cores menos honestas. As questões da forma de vestir dos clérigos está ainda presente na visitação de 1664, onde é proibido o uso de carapuças e na de 1702, onde se proíbe o uso de casacas e calções com bolsos pelos joelhos até ao meio da perna, sendo que em 1712 é proibido o uso de japonas. Em 1729 proíbe-se o uso de botas com esporas, chambres de várias cores, trajes indecentes, em 1754 é o uso de trajes com cores e bicos emproados que é regulamentado. Ainda em 1779 proíbe-se o uso de cabeleira e solidéu.
Existem ainda questões relacionadas com o clero, que se encontram em orientações que não parecem dirigir-se a estes numa primeira leitura, mas que na sua essência são também formas de os regular.
As instruções relativas ao sacramento da confissão, são um campo muito rico para podermos analisar os pressupostos colocados anteriormente, assim em 1612 é proibido confessar pessoas de fora para casamento sem licença do Pároco de Origem. Já em 1676, com excepção dos membros da Companhia de Jesus, obrigam-se também os padres religiosos a apresentarem licença de confissão e pregação passada pelo bispo. A visitação de 1679, obrigava a confissão de joelhos. Se estas visitações não implicam de facto evidentes referências ao comportamento dos clérigos, já com a visitação de 1684, podemos ver qual é a verdadeira preocupação das autoridades diocesanas, quando obrigam que a confissão seja feita no confessionário sobretudo a mulheres (só as questões relacionadas com o sexo feminino eram dignas de um trabalho de per si). O mesmo assunto volta a ser abordado em 1725, abrindo-se excepção ás enfermas e em 1726, “ás mulheres velhas e moucas no caso de não haver concurso de gente”. O mesmo princípio é ainda abordado em 1744, obrigando o Padre ao uso de sobrepeliz, a questão do confessionário é ainda abordada em 1769 e 1794. Cabe agora abrir uma chamada de atenção para as situações em que os clérigos podiam receber pena de excomunhão. Tais eram os casos de, não usarem sobrepeliz nos ofícios de defuntos, não notificarem as mulheres de má vida, andassem em festas e comessem com leigos que usassem vestes indecentes, receberem dinheiro pelo falecimento de enjeitados, uso de palavras escandalosas contra pessoas de qualidade, uso de espingardas, carapuças e cães na Igreja, realizarem missa sem licença, conversas sobre negócios e tratos seculares nas Igrejas e Capelas, etc.
Conclusões
Chegamos assim de uma forma muito leve ao último capítulo deste nosso trabalho. Antes do mais, devemos ainda uma vez mais reconhecer que esta abordagem está longe de ser exaustiva quer em quantidade, quer em profundidade, no entanto é também nosso parecer que os foram dados todos os passos necessários para a construção de um trabalho científico credível. Devemos ainda reconhecer que a quantidade de notas de rodapé não serem abundantes, sendo que não se trata de uma questão de desonestidade intelectual, mas sim devido ao facto de haver não raras vezes uma total comunhão entre sentimentos já existentes em nós e as ideias defendidas pelos vários autores que consultamos. Afim de evitar qualquer grau de suspeita sobre as influências evidentes no texto, colocaremos no fim do mesmo uma bibliografia com a totalidade dos trabalhos e fontes consultadas para a elaboração do mesmo.
Gostaríamos então agora de avançar com as nossas conclusões, sendo que são também fruto de leituras que não chegaram a texto neste trabalho, nomeadamente em termos de fonte, pois foi muito maior a leitura feita do que as referências pontuais apresentadas no trabalho.
A questão que é apresentada no trabalho centra-se nas referências ao clero. A constante repetição de proibições nomeadamente no que ao vestuário diz respeito é a evidência acabada de que na ramificação mais elementar da estrutura clerical, só muito lentamente se conseguiram implementar as decisões reformadoras consagradas por Pio IV, na Bula Benedictus Deus. Não raras vezes é facilmente identificável, que as indicações que o visitador exprime, são retiradas directamente do texto conciliar. Sentimo-nos assim inclinados a concordar com as palavras de Pierre Pierrard, acerca da lentidão com a qual os princípios são de facto absorvidos pela totalidade da cristandade, mesmo quando só dispomos da realidade micro que é Gulpilhares. Cremos ser já óbvio que uma conclusão desta natureza não se assenta só na questão dos clérigos serem avessos a aceitarem as posições diocesanas no que ao seu atavio diz respeito. O mesmo podemos constatar em relação a muitas outras situações, sejam desvios comportamentais relacionados com o convívio com elementos do sexo oposto, seja com questões que implicavam o estudo e interiorização dos assuntos dogmáticos aprovados em Trento ou o uso abusivo do álcool. A verdade é que a totalidade da fonte transpira a insubordinação clerical, não significando obrigatoriamente que havia uma premeditação revoltosa envolvida na atitude desses agentes religiosos.
Agora que parte das questões levantadas no início do trabalho estão semi-resolvidas, muitas outras questões se levantam, sendo que a mais evidente se prende com a razão de a assimilação ser tão lenta em Gulpilhares (cremos no entanto que certamente o mesmo se pode perguntar acerca de outros espaços). A questão torna-se ainda mais pertinente quando podemos constatar que as altas hierarquias clericais portuguesas estavam em perfeita sintonia e agirem em conformidade com as normas tridentinas desde muito cedo, seja pela actuação do Cardeal D. Henrique seja pelas Constituições Sinodais, nomeadamente as da Diocese do Porto, apesar de se continuar a recorrer abusivamente da excomunhão.
Fontes e Referências Bibliográficas
Fontes:
- SILVA, Francisco Ribeiro – Visitações de Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, Gabinete de História e Arqueologia de V. N. Gaia, 1986
- O sacrosanto, e ecumenico Concilio de Trento em latim e portuguez / dedica e consagra, aos... Arcebispos e Bispos da Igreja Lusitana, João Baptista ReycendLisboa : na Off. de Francisco Luiz Ameno, 1781. - 2 v. ; 16 cm
BN S.C. 7006 P.BN S.C. 7007 P.
Referências Bibliográficas:
- COSTA, Francisco Barbosa da – S. João Baptista de Canelas, Uma comunidade rural das Terras de Santa Maria, Estudo Demográfico – 1588-1808, Porto, Dissertação de Mestrado de Demografia Histórica e Social apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1992
- PIERRARD, Pierre – História da Igreja Católica, Lisboa, Planeta Editora, 2002.
- SILVA, Amélia Maria Polónia da – Recepção do Concílio de Trento em Portugal: as normas enviadas pelo Cardeal D. Henrique aos bispos do Reino, em 1553, in Revista da Faculdade de Letras – História, II Série, Porto, 1990, Vol.VII, pp. 133-143
- SILVA, Francisco Ribeiro da – O Bispado do Porto à luz das constituições sinodais da época moderna: Valores clericais e normas de comportamento, in Actas I Congresso sobre a Diocese do Porto, Tempos e Lugares de Memória, Porto, Centro de Estudos D. Domingos de Pinho Brandão, Universidade Católica – Centro Regional do Porto, 2002, Vol.I, pp. 57-81.
[1] PIERRARD, Pierre - História da Igreja Católica, Lisboa, Planeta Editora, 2002, p. 239.
[2] Costa, Francisco Barbosa da – Visitações de Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, Gabinete de História e Arqueologia de V. N. Gaia, 1986, p. 9.
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